A formação de uma ligação em um composto iônico depende da remoção de um ou mais elétrons de um átomo e de sua transferência para outro átomo. A energia necessária para remover elétrons de um átomo é, portanto, de suma importância para a compreensão de suas propriedades químicas.

A energia de ionização

Como mencionado no Tópico 1B, a energia de ionização, II, é a energia necessária para remover um elétron de um átomo na fase gás, especificamente: J(g)JX+(g)+eX(g)IJ=EJX+(g)EJ(g)(1) \ce{ J(g) -> J^+(g) + e^-(g) } \quad I_{\ce{J}} = E_{\ce{J^+(g)}} - E_{\ce{J(g)}} \tag{1} Em que EJ(g)E_{\ce{J(g)}} é a energia do átomo J\ce{J} na fase gás e EJX(g)E_{\ce{J^-(g)}} é a energia do cátion na mesma fase. As energias de ionização são expressas como quantidades molares em joules por mol ou em elétron-volts e representam a variação de energia de um elétron quando ele se move por uma diferença de potencial de 1 V\pu{1 V}: 1 eV=1,61019 J(2) \pu{1 eV} = \pu{1,6e-19 J} \tag{2} A primeira energia de ionização, I1I_1, é a energia necessária para remover um elétron de um átomo neutro na fase gás. Por exemplo, para o cobre, Cu(g)CuX+(g)+eX(g)I1,Cu=7,73 eV=746 kJmol1 \ce{ Cu(g) -> Cu^+(g) + e^-(g) } \quad I_{1, \ce{Cu}} = \pu{7,73 eV} = \pu{746 kJ.mol-1} A segunda energia de ionização, I2I_2, de um elemento é a energia necessária para remover um elétron de um cátion com carga unitária na fase gás. Para o cobre, CuX+(g)CuX2+(g)+eX(g)I2,Cu=20,3 eV=1960 kJmol1 \ce{ Cu^+(g) -> Cu^{2+}(g) + e^-(g) } \quad I_{2, \ce{Cu}} = \pu{20,3 eV} = \pu{1960 kJ.mol-1} Como a energia de ionização é uma medida da dificuldade de remover um elétron, os elementos com baixas energias de ionização formam cátions facilmente e conduzem eletricidade (o que exige que alguns elétrons estejam livres para se mover) em suas formas sólidas (ou líquidas). Os elementos com altas energias de ionização formam cátions com dificuldade e não conduzem eletricidade.

Como mostra a Fig. 1D.2.1:

  • As primeiras energias de ionização geralmente decrescem em um grupo.
  • As primeiras energias de ionização geralmente aumentam em um período.

O decréscimo em um grupo pode ser explicado pelo fato de, em períodos sucessivos, o elétron mais externo ocupar uma camada mais afastada do núcleo e, por isso, ele está menos preso. Portanto, é necessária menos energia para remover um elétron de um átomo de césio do que de um átomo de sódio.

Primeiras energias de ionização dos elementos do grupo principal, em quilojoules por mol. Em geral, os valores baixos são encontrados na parte inferior, à esquerda da tabela, e os valores altos, no topo, à direita.
Figura 1D.2.1
Variação periódica da primeira energia de ionização dos elementos.
Figura 1D.2.2

Com poucas exceções, a primeira energia de ionização cresce da esquerda para a direita no período (Fig. 1D.2.2). Isso pode ser explicado pelo aumento da carga nuclear efetiva no período. As pequenas discrepâncias observadas se devem às repulsões entre elétrons, particularmente os elétrons que ocupam o mesmo orbital. Por exemplo, a energia de ionização do oxigênio é ligeiramente menor do que a do nitrogênio porque no nitrogênio cada orbital p tem um elétron, mas no oxigênio o oitavo elétron está emparelhado com um elétron que já ocupa um orbital. A repulsão entre os dois elétrons que estão no mesmo orbital aumenta sua energia e faz um deles ser removido do átomo com mais facilidade do que se os dois elétrons estivessem em orbitais diferentes.

Exemplo 1D.2.1
Explicação de tendências na energia de ionização

Explique as tendências na energia de ionização.

  1. A energia de ionização do oxigênio é menor que a do nitrogênio.
  2. A energia de ionização do boro é menor que a do berílio.
Etapa 2. (a) Tendência periódica diferente do esperado. Examine as configurações eletrônicas de todas as espécies

Quando NX+\ce{N^+} se forma a partir de N\ce{N} o elétron é removido de um orbital 2p\mathrm{2p} parcialmente cheio: N:  1s2    2s2    2p3  eX  1s2    2s2    2p2 \ce{N}: \; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^3} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\ce{->[-e^-]}\; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \phantom{\uparrow} \hspace{5pt} } } Quando OX+\ce{O^+} se forma a partir de O\ce{O}, o elétron é removido de um orbital 2p\mathrm{2p} que já está cheio: O:  1s2    2s2    2p4  eX  1s2    2s2    2p3 \ce{O}: \; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^4} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\ce{->[-e^-]}\; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^3} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } O elétron removido do oxigênio sofre maior repulsão por estar em um orbital cheio. Além disso, o oxigênio adquire configuração semi-preenchida do orbital 2p\mathrm{2p} ao perder um elétron.

Etapa 3. (b) Tendência periódica diferente do esperado. Examine as configurações eletrônicas de todas as espécies

O boro (Grupo 13) perde um elétron mais facilmente de uma subcamada de mais alta energia do que o berílio (Grupo 12).

As energias de ionização sucessivas

A Fig. 1D.2.3 mostra que a segunda energia de ionização de um elemento é sempre maior do que a primeira. Mais energia é necessária para remover um elétron de um íon com carga positiva do que de um átomo neutro.

Sucessivas de ionização de alguns elementos do grupo principal. Observe o grande aumento da energia necessária para remover um elétron da camada mais interna.
Figura 1D.2.3

Para os elementos do Grupo 1, a segunda energia de ionização é consideravelmente maior do que a primeira, mas, no Grupo 2, as duas energias de ionização têm valores semelhantes. Essa diferença é razoável, porque os elementos do Grupo 1 têm configuração nsX1n\ce{s^1} na camada de valência. Embora a retirada do primeiro elétron requeira pouca energia, o segundo elétron deve sair de um caroço de gás nobre. Os elétrons do caroço têm números quânticos principais menores e estão muito mais próximos do núcleo. Eles são fortemente atraídos por ele e muita energia é necessária para removê-los.

As baixas energias de ionização dos elementos da parte inferior, à esquerda, da Tabela Periódica explicam seu caráter de metal. Um bloco de metal é uma coleção de cátions do elemento rodeados por um mar de elétrons de valência não ligados perdidos pelos átomos. Somente os elementos com baixas energias de ionização — os membros do bloco s, do bloco d, do bloco f e os da parte inferior, à esquerda, do bloco p — conseguem formar sólidos metálicos, porque somente eles podem perder elétrons com facilidade.

Os elementos que estão na parte superior direita da Tabela Periódica têm altas energias de ionização e não perdem elétrons com facilidade. Por isso eles não são metais. Observe que sua compreensão da estrutura eletrônica o ajudou a entender uma propriedade importante da Tabela Periódica — neste caso, por que os metais aparecem na parte inferior, à esquerda, e os não metais, na parte superior, à direita.

A primeira energia de ionização é maior para os elementos próximos do hélio e menor para os que estão próximos do césio. A segunda energia de ionização é maior do que a primeira energia de ionização (do mesmo elemento) e a diferença é muito maior se o segundo elétron tiver de ser retirado de uma camada fechada. Os metais são encontrados na parte inferior, à esquerda, da Tabela Periódica porque esses elementos têm baixa energia de ionização e podem perder elétrons com facilidade.

A afinidade eletrônica

Para predizer algumas propriedades químicas, é necessário saber como a energia muda quando um elétron se liga a um átomo. A afinidade eletrônica, EaeE_\mathrm{ae}, de um elemento é a energia liberada quando um elétron se liga a um átomo na fase gás. Uma afinidade eletrônica positiva significa que energia é liberada quando um elétron se liga a um átomo. Uma afinidade eletrônica negativa significa que é necessário fornecer energia para fazer um elétron se ligar a um átomo. Esta convenção é baseada no sentido mais usual do termo afinidade. Em um linguagem mais formal, a afinidade eletrônica de um elemento X\ce{X} é definida como: X(g)+eX(g)XX(g)Eea,X=EX(g)EXX(g) \ce{ X(g) + e^-(g) -> X^-(g) } \quad E_{\mathrm{ea}, \ce{X}} = E_{\ce{X(g)}} - E_{\ce{X^-(g)}} Em que EX(g)E_{\ce{X(g)}} é a energia do átomo X\ce{X} na fase gás e EXX(g)E_{\ce{X^-(g)}} é a energia do ânion na mesma fase. Por exemplo, a afinidade do cloro é a energia liberada no processo Cl(g)+eX(g)ClX(g)Eea,Cl=3,62 eV=349 kJmol1 \ce{ Cl(g) + e^-(g) -> Cl^-(g) } \quad E_{\mathrm{ea}, \ce{Cl}} = \pu{3,62 eV} = \pu{349 kJ.mol-1} Como o elétron tem energia mais baixa quando ocupa um dos orbitais do átomo, a diferença ECl(g)EClX(g)E_{\ce{Cl(g)}} - E_{\ce{Cl^-(g)}} é positiva e a afinidade eletrônica do cloro é positiva. Como as energias de ionização, as afinidades eletrônicas são registradas em elétron-volts para um átomo isolado ou em joules por mol de átomos.

Variação da afinidade eletrônica em quilojoules por mol dos elementos do grupo principal. A variação é menos sistemática do que a da energia de ionização, mas altos valores tendem a ser encontrados perto do flúor (exceto para os gases nobres).
Figura 1D.2.4

A Figura 9 mostra a variação da afinidade eletrônica nos grupos principais da Tabela Periódica. Ela é muito menos periódica do que a variação do raio e da energia de ionização. Entretanto, uma tendência é claramente visível. Com exceção dos gases nobres:

  • As afinidades eletrônicas são maiores à direita da Tabela Periódica.

Essa tendência é particularmente verdadeira na parte superior direita, perto do oxigênio, do enxofre e dos halogênios. Nesses átomos, o elétron adicionado ocupa um orbital p próximo de um núcleo com carga efetiva elevada e sofre intensamente sua atração. Os gases nobres têm afinidades eletrônicas negativas porque qualquer elétron adicionado deve ocupar um orbital no exterior de uma camada completa e distante do núcleo: esse processo requer energia e, portanto, a afinidade eletrônica é negativa.

Quando um elétron entra na única vaga da camada de valência de um átomo do Grupo 17, a camada se completa e qualquer elétron adicional deve iniciar uma nova camada. Nessa nova camada, ele não somente estaria mais afastado do núcleo como também sentiria a repulsão da carga negativa já existente. Como resultado, a segunda afinidade eletrônica do flúor é fortemente negativa, o que significa que muita energia é consumida para formar FX2\ce{F^{2-}} a partir de FX\ce{F^-}. Por isso, os compostos iônicos dos halogênios utilizam íons com carga unitária, como o FX\ce{F^-}, e nunca íons com duas cargas, como o FX2\ce{F^{2-}}.

Um átomo do Grupo 16, como O\ce{O} ou S\ce{S}, tem duas vagas nos orbitais p da camada de valência e pode acomodar dois elétrons adicionais. A primeira afinidade eletrônica é positiva, porque energia é liberada quando um elétron é adicionado a O\ce{O} ou S\ce{S}. A colocação do segundo elétron, entretanto, requer energia por causa da repulsão provocada pela carga negativa já existente em OX\ce{O^-} ou SX\ce{S^-}. Diferentemente do caso dos halogênios, a camada de valência do ânion OX\ce{O^-} só tem sete elétrons e pode, portanto, acomodar mais um. Por isso, podemos esperar que a energia necessária para fazer OX2\ce{O^{2-}} a partir de OX\ce{O^-} seja menor do que a necessária para fazer FX2\ce{F^{2-}} a partir de FX\ce{F^-}, em que não existe essa vacância. Na verdade, 141 kJmol1\pu{141 kJ.mol-1} são liberados quando o primeiro elétron é adicionado ao átomo neutro para formar OX\ce{O^-}, porém 844 kJmol1\pu{844 kJ.mol-1} devem ser fornecidos para adicionar o segundo elétron e formar OX2\ce{O^{2-}}. Assim, a energia total requerida para fazer OX2\ce{O^{2-}} a partir de O\ce{O} é 703 kJmol1\pu{703 kJ.mol-1}. Essa energia pode ser obtida em reações químicas, e os íons OX2\ce{O^{2-}} são típicos de óxidos de metais.

Exemplo 1D.2.2
Explicação de tendências na afinidade eletrônica

Explique as tendências na energia de ionização.

  1. A afinidade eletrônica do carbono é maior do que a do nitrogênio. Na verdade, a afinidade eletrônica do nitrogênio é negativa.
  2. A afinidade eletrônica do berílio é menor que a do lítio.
  3. A afinidade eletrônica do neônio é menor que a do flúor.
Etapa 2. (a) Tendência periódica diferente do esperado. Examine as configurações eletrônicas de todas as espécies.

Quando CX\ce{C^-} se forma a partir de C\ce{C} o elétron adicional ocupa um orbital 2p\mathrm{2p} vazio: C:  1s2    2s2    2p2  +eX  1s2    2s2    2p3 \ce{C}: \; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \phantom{\uparrow} \hspace{5pt} } } \;\ce{->[+e^-]}\; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^3} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } Quando NX\ce{N^-} se forma a partir de N\ce{N}, o elétron adicional deve ocupar um orbital 2p\mathrm{2p} que já está parcialmente cheio: N:  1s2    2s2    2p3  +eX  1s2    2s2    2p4 \ce{N}: \; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^3} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\ce{->[+e^-]}\; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^4} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } O elétron adicionado ao nitrogênio sofre maior repulsão por ocupar um orbital cheio. Além disso, o nitrogênio perde a configuração semi-preenchida do orbital 2p\mathrm{2p} ao perder um elétron.

Etapa 3. (b) Tendência periódica diferente do esperado. Examine as configurações eletrônicas de todas as espécies.

No lítio (Grupo 1), o elétron adicional entra no orbital 2s\mathrm{2s}; no berílio (Grupo 2), em um orbital 2p\mathrm{2p}. Um elétron 2s\mathrm{2s} está mais firmemente ligado ao núcleo do que um elétron 2p\mathrm{2p}.

Etapa 4. (c) Tendência periódica diferente do esperado. Examine as configurações eletrônicas de todas as espécies.

No flúor (Grupo 17), um elétron adicional preenche a única vaga na camada de valência; a camada agora tem a configuração do gás nobre neônio e está completa. No neônio (Grupo 18) um elétron adicional teria de entrar em onda nova camada, onde ele estaria mais distante da atração exercida pelo núcleo.

Os elementos dos Grupos 16 e 17 são os que têm afinidades eletrônicas mais altas.