As moléculas de um líquido são mantidas em contato com as moléculas vizinhas pelas forças intermoleculares, mas elas têm energia suficiente para movimentar-se, eventualmente colidindo umas com as outras. Quando imaginamos um líquido, podemos pensar em um conjunto de moléculas que trocam constantemente de lugar com suas vizinhas. Um líquido em repouso é como uma multidão que se agita em um estádio. Um líquido que flui é como a multidão deixando o estádio.

A ordem nos líquidos

Um sólido cristalino tem ordem de longo alcance. Dito de outro modo, os átomos ou moléculas de um sólido estão em um arranjo ordenado, que se repete por longas distâncias. Durante a fusão do cristal, a ordem de longo alcance se perde. No líquido, a energia cinética das moléculas supera, eventualmente, as forças intermoleculares, e as moléculas se movimentam. Elas, no entanto, ainda experimentam fortes atrações umas em relação às outras. Na água, por exemplo, somente cerca de 10%\pu{10}\% das ligações hidrogênio são perdidas na fusão. As demais quebram-se e se refazem continuamente com diferentes moléculas de água. Em um determinado instante, a vizinhança imediata de uma molécula no líquido é muito semelhante à do sólido, mas a ordem não se estende muito além dos vizinhos mais próximos. Essa ordem local é chamada de ordem de curto alcance. Na água, por exemplo, em decorrência das ligações hidrogênio, cada molécula participa de um arranjo aproximadamente tetraédrico com outras moléculas. Essas ligações mudam rapidamente de um momento ao seguinte, mas são suficientemente fortes para afetar a estrutura local das moléculas, mantendo-se até o ponto de ebulição. Assim que o líquido evapora, as moléculas passam a se mover praticamente livres, porque as forças entre elas são muito pequenas.

As moléculas em um líquido têm ordem de curto alcance, não de longo alcance.

A viscosidade e a tensão superficial

A viscosidade de um líquido é a resistência ao escoamento. Quanto maior for a viscosidade do líquido, mais lento é o escoamento. Os líquidos de alta viscosidade, como o melaço na temperatura normal, ou o vidro fundido, são chamados de viscosos. A viscosidade de um líquido é uma indicação da intensidade das forças entre as moléculas: interações intermoleculares fortes mantêm as moléculas unidas e não deixam que elas se afastem facilmente. A previsão da viscosidade, porém, é muito difícil porque ela depende não somente da intensidade das forças intermoleculares, mas também da facilidade com que as moléculas assumem diferentes posições quando o fluido se move. As fortes ligações hidrogênio da água dão-lhe viscosidade maior do que a do benzeno. Isso significa que as moléculas de benzeno se deslocam mais facilmente umas em relação às outras, mas para que as moléculas de água se movam, é preciso quebrar as ligações hidrogênio. Entretanto, a viscosidade da água não é muito grande porque uma molécula de água pode se ajustar rapidamente para participar da rede de ligações hidrogênio de seus novos vizinhos. Outro fator é o entrelaçamento de cadeias longas de hidrocarbonetos. As moléculas dos hidrocarbonetos oleosos e das graxas são não polares e só estão sujeitas às forças de London. Elas têm, entretanto, cadeias longas que se enrolam como espaguete cozido e, por isso, as moléculas movem-se com dificuldade.

A viscosidade dos líquidos diminui com o aumento da temperatura. A maior energia cinética das moléculas em temperaturas elevadas permite que elas vençam as forças de atração intermolecular e passem pelas moléculas vizinhas com mais facilidade. A viscosidade da água em 100 °C\pu{100 \degree C}, por exemplo, é apenas um sexto do valor em 0 °C\pu{0 \degree C}, o que significa que a mesma quantidade de água escoa seis vezes mais rapidamente pelo mesmo tubo na temperatura mais elevada.

A superfície de um líquido é uniforme porque as forças intermoleculares tendem a atrair as moléculas umas às outras para o interior do líquido. A tensão superficial é a resultante dessas forças. Mais uma vez, espera-se que os líquidos formados por moléculas em que as interações intermoleculares são fortes tenham tensão superficial elevada, porque o empuxo para o corpo do líquido, na superfície, deve ser forte. A tensão superficial da água, por exemplo, é aproximadamente três vezes maior do que a da maior parte dos líquidos comuns, devido às fortes ligações hidrogênio. A tensão superficial do mercúrio é ainda maior — mais de seis vezes superior à da água. A tensão superficial elevada indica que existem ligações muito fortes entre os átomos de mercúrio do líquido: na verdade, elas têm caráter parcialmente covalente.

A tensão superficial explica vários fenômenos cotidianos. Por exemplo, uma gota de líquido suspensa no ar ou em uma superfície encerada é esférica porque a tensão superficial faz as moléculas assumirem a forma mais compacta possível, a esfera. As forças atrativas entre as moléculas de água são maiores do que entre a água e a cera, que é feita essencialmente de hidrocarbonetos não polares. A tensão superficial diminui quando a temperatura aumenta e as interações entre moléculas são superadas pelo movimento crescente das moléculas.

Ponto para pensar

Por que a adição de sabão ou detergente à água diminui a tensão superficial?

A ação capilar, a elevação de líquidos em tubos estreitos, ocorre quando existem atrações favoráveis entre as moléculas do líquido e a superfície interna do tubo. Essas atrações são forças de adesão, forças que mantêm juntas uma substância e uma superfície. Elas são distintas das forças de coesão, as forças que unem as moléculas de uma substância para formar um material. Uma indicação das intensidades relativas de adesão e coesão é a formação de um menisco, a superfície curva de um líquido que se observa em um tubo estreito (Figura 3). O menisco da água em um tubo capilar de vidro curva-se para cima nas bordas (tomando a forma côncava) porque as forças adesivas entre as moléculas de água e os átomos de oxigênio e grupos OH\ce{-OH} da superfície do vidro são comparáveis às forças coesivas das moléculas de água. A água tende, por isso, a se espalhar sobre a maior área possível do vidro. O menisco do mercúrio curva-se para baixo, descendo pelas paredes do vidro (tomando a forma convexa). Essa forma indica que as forças coesivas entre os átomos de mercúrio são mais fortes do que as forças entre os átomos de mercúrio e os átomos da superfície do vidro, e, por isso, o líquido tende a reduzir o contato com o vidro.

Quando as forças adesivas entre um líquido e o vidro são mais fortes do que as forças coesivas do líquido, o líquido se curva para cima, de modo a aumentar o contato com o vidro, formando o menisco mostrado na figura para a água no vidro (à esquerda). Quando as forças coesivas são mais fortes do que as forças adesivas (como é o caso do mercúrio no vidro), as extremidades da superfície curvam‑se para baixo, para reduzir o contato com o vidro (à direita).
Figura 1H.3.1

Quanto maior for a viscosidade de um líquido, mais lentamente ele escoa. A viscosidade normalmente diminui com o aumento da temperatura. A tensão superficial decorre do desequilíbrio de forças intermoleculares na superfície de um líquido. A ação capilar é uma consequência do desequilíbrio entre as forças adesivas e coesivas.

Os cristais líquidos

Um tipo de material que transformou os mostradores eletrônicos não é nem um sólido nem um líquido, e, sim, algo intermediário entre esses dois estados da matéria. Os cristais líquidos são substâncias que escoam como líquidos viscosos, mas suas moléculas ficam em um arranjo moderadamente ordenado, semelhante ao de um cristal. São exemplos de uma mesofase, um estado da matéria no qual as moléculas têm um grau intermediário de ordem entre um cristal totalmente organizado e um líquido desorganizado. Os cristais líquidos são muito usados na indústria eletrônica, porque respondem bem a mudanças de temperatura e de campo elétrico.

Uma molécula de cristal líquido típica, como o p-azóxianisol, é longa e tem forma de bastão:

A forma de bastão permite que as moléculas se empilhem, como espaguete seco, não cozido: elas ficam paralelas, mas têm liberdade para escorregar umas sobre as outras ao longo do eixo principal. Devido a essa ordem, os cristais líquidos são anisotrópicos. Os materiais anisotrópicos têm propriedades que dependem da direção da medida. A viscosidade dos cristais líquidos é menor na direção paralela às moléculas: é mais fácil para as moléculas em forma de bastão comprido escorregarem ao longo dos eixos principais do que moverem-se nas direções perpendiculares. Os materiais isotrópicos têm propriedades que não dependem da direção da medida. Os líquidos comuns são isotrópicos: suas viscosidades são iguais em todas as direções.

Existem três classes de cristais líquidos que diferem no arranjo das moléculas. Na fase nemática, as moléculas ficam juntas, todas na mesma direção, porém atrasadas umas em relação às outras, como carros em uma estrada muito movimentada de várias faixas. Na fase esmética, as moléculas se alinham como soldados em um desfile e formam camadas. As membranas celulares são formadas principalmente de cristais líquidos esméticos. Na fase colestérica, as moléculas formam camadas ordenadas, porém, as camadas vizinhas têm as moléculas em ângulos diferentes, isto é, o cristal líquido tem um arranjo helicoidal de moléculas.

Os cristais líquidos também podem ser classificados pelo modo de preparação. Os cristais líquidos termotrópicos são fabricados pela fusão da fase sólida. A fase cristal líquido altamente viscosa, existe em um pequeno intervalo de temperatura entre os estados sólido e líquido. Os cristais líquidos termotrópicos tornam-se líquidos isotrópicos ao serem aquecidos acima de uma temperatura característica, porque as moléculas adquirem energia suficiente para vencer as atrações que restringem seus movimentos. O p-azóxianisol pode formar um cristal líquido termotrópico entre 118 °C\pu{118 \degree C} e 137 °C\pu{137 \degree C}. Os cristais líquidos termotrópicos são usados em relógios, telas de computador e termômetros. Os cristais líquidos liotrópicos são estruturas em camadas que resultam da ação de um solvente sobre um sólido ou um líquido. São exemplos as membranas celulares e as soluções de detergentes e lipídeos (gorduras) em água. Essas moléculas, como o detergente p-laurilbenzenosulfonato de sódio, têm longas cadeias apolares de hidrocarbonetos unidas a cabeças polares:

Quando os lipídeos que formam as membranas celulares são misturados com água, eles formam folhas espontaneamente, nas quais as moléculas estão alinhadas em filas, formando uma camada dupla, com as cabeças polares voltadas para a parte externa de cada lado da folha. Essas camadas formam as membranas protetoras das células dos tecidos vivos.

Os mostradores eletrônicos aproveitam a anisotropia da fase nemática e o fato de que a orientação das moléculas nos cristais líquidos muda na presença de um campo elétrico. Em um LCD (mostrador de cristais líquidos) de televisores ou de monitores de computador, as camadas de um cristal líquido na fase nemática são colocadas entre as superfícies de duas placas de vidro ou de plástico. O eixo longo das moléculas de cada camada muda da orientação governada por riscos de uma placa para outra, perpendicular, governada por riscos da segunda placa. A luz da fonte é polarizada e, quando passa pelo cristal líquido, seu plano de polarização também muda, o que permite sua passagem por um segundo polarizador. Quando, porém, uma diferença de potencial é aplicada nos eletrodos (que têm a forma dos caracteres que devem ser mostrados), perde-se a estrutura helicoidal do cristal líquido, assim como a mudança da polarização da luz. O resultado é um ponto escuro na tela. Em uma tela LCD super-helicoidal, a estrutura helicoidal do cristal líquido em repouso tem mais de uma volta.

Os cristais líquidos colestéricos também são interessantes, porque a estrutura helicoidal se desenrola ligeiramente quando a temperatura varia. Como a mudança da estrutura helicoidal afeta propriedades ópticas do cristal líquido, como a cor, essas propriedades mudam com a temperatura. O efeito é utilizado nos termômetros de cristal líquido.

Os cristais líquidos têm um certo grau de ordem, característico dos cristais sólidos, mas podem escoar como líquidos. Eles são mesofases, intermediárias entre sólidos e líquidos, e suas propriedades podem ser modificadas por campos elétricos e por mudanças na temperatura.

Os líquidos iônicos

Os solventes líquidos são muito usados na indústria na extração de substâncias de produtos naturais e na síntese de compostos úteis. Como muitos desses solventes têm pressões de vapor elevadas e produzem vapores perigosos, procurou-se desenvolver líquidos de baixas pressões de vapor, capazes de dissolver compostos orgânicos.

Uma nova classe de solventes, chamados de líquidos iônicos, foi desenvolvida para responder a essa necessidade. Um líquido iônico típico tem um ânion relativamente pequeno, como BFX4X\ce{BF4^-}, e um cátion orgânico relativamente grande, como o 1-butil-3-metilimidazólio:

Como o cátion tem uma região não polar grande e é, frequentemente, assimétrico, o composto não cristaliza facilmente e é líquido na temperatura normal. Líquidos como estes conseguem dissolver compostos orgânicos apolares. Entretanto, as atrações entre os íons diminuem a pressão de vapor até valores semelhantes aos dos sólidos iônicos, reduzindo, assim, a poluição do ar. Como podem ser usados cátions e ânions muito diversos, os solventes podem ser desenhados para aplicações específicas. Por exemplo, uma determinada formulação é capaz de dissolver a borracha de pneus usados e permitir sua reciclagem. Outros solventes podem ser usados para extrair materiais radioativos de águas subterrâneas.

Os líquidos iônicos são compostos nos quais um dos íons é orgânico e volumoso, o que impede a cristalização nas temperaturas comuns. A baixa pressão de vapor dos líquidos iônicos os torna solventes capazes de reduzir a poluição.