A teoria da ligação de valência (teoria VB) é a descrição da ligação covalente em termos dos orbitais atômicos. Concebida por Walter Heitler, Fritz London, John Slater e Linus Pauling no final da década de 1920, a teoria VB é um modelo quantomecânico da distribuição dos elétrons pelas ligações que vai além da teoria de Lewis e do modelo VSEPR e permite o cálculo numérico dos ângulos e dos comprimentos de ligação. Os conceitos e a linguagem em que ela se baseia são utilizados em toda a química.

O modelo de Lewis das ligações covalentes (Tópico 1D) pressupõe que cada par de elétrons ligantes está localizado entre dois átomos ligados — é um modelo de elétrons localizados. No entanto, a posição de um elétron em um átomo não pode ser descrita de forma precisa, mas somente em termos da probabilidade de encontrá-lo em algum lugar do espaço definido pelo orbital (Tópico 1B). A teoria da ligação de valência leva em conta a natureza ondulatória dos elétrons.

As ligações sigma e pi

Consideremos, inicialmente, a formação de HX2\ce{H2}, a molécula mais simples. Cada átomo de hidrogênio no estado fundamental tem um elétron no orbital 1s\mathrm{1s} (Tópico 1B). A teoria da ligação de valência supõe que, quando os dois átomos H\ce{H} se aproximam, o par de elétrons 1s\mathrm{1s} e os orbitais atômicos se fundem: H    1s1σH    1s1 \begin{aligned} \ce{H} \;\; \overset{ \mathrm{1s^1} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } & \\ \Big| \sigma \\ \ce{H} \;\; \underset{ \mathrm{1s^1} }{ \boxed{ \hspace{5pt} \downarrow } } & \end{aligned} A distribuição de elétrons resultante apresenta a forma de uma salsicha, tem densidade eletrônica acumulada entre os núcleos e é chamada de ligação σ\sigma (ligação sigma). Em linguagem técnica:

  • Uma ligação σ\sigma é simetricamente cilíndrica (é igual em todas as direções ao longo do eixo) e não tem planos nodais contendo o eixo internuclear.

A fusão dos dois orbitais atômicos é chamada de superposição de orbitais. Um ponto importante a ter em mente é que quanto maior for a superposição dos orbitais, mais forte é a ligação.

Ligações semelhantes, do tipo σ\sigma, ocorrem nos halogenetos de hidrogênio. Por exemplo, antes da combinação dos átomos H\ce{H} e F\ce{F} para formar o fluoreto de hidrogênio, um elétron desemparelhado do átomo de flúor ocupa um orbital 2pz2\mathrm{p}_z e o elétron desemparelhado do átomo de hidrogênio ocupa um orbital 1s\mathrm{1s}: F    1s2    2s2    2px22py22pz1σH    1s2 \begin{aligned} \ce{F} \;\; \overset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \overset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \overset{ \mathrm{2p}_x^2 }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } }\hspace{-0.4pt} \overset{ \mathrm{2p}_y^2 }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } }\hspace{-0.4pt} \overset{ \mathrm{2p}_z^1 }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } & \\ \Big| \sigma \\ \ce{H} \;\; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \hspace{5pt} \downarrow } } & \end{aligned} Estes elétrons se emparelham para formar uma ligação quando os orbitais que ocupam se superpõem e se fundem em uma nuvem que se espalha pelos dois átomos. Vista de lado, a ligação resultante tem forma mais complicada do que a das ligações σ\sigma no HX2\ce{H2}. No entanto, a ligação σ\sigma no HF\ce{HF}, a qual compartilha muitas das características da ligação σ\sigma do HX2\ce{H2}, tem simetria cilíndrica ao longo do eixo internuclear (zz) e não tem planos nodais contendo o eixo internuclear. Portanto, ela também é uma ligação σ\sigma. Todas as ligações covalentes são ligações σ\sigma.

A molécula do nitrogênio, NX2\ce{N2}, apresenta um tipo diferente de ligação. Ela tem um elétron desemparelhado em cada um dos três orbitais 2p\mathrm{2p} de cada átomo: N    1s2    2s2    2px12py12pz1ππσN    1s2    2s2    2px12py12pz1 \begin{aligned} \ce{N} \;\; \overset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \overset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \overset{ \mathrm{2p}_x^1 }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } }\hspace{-0.4pt} \overset{ \mathrm{2p}_y^1 }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } }\hspace{-0.4pt} \overset{ \mathrm{2p}_z^1 } {\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } & \\ \Big| \pi \hspace{7pt} \Big| \pi \hspace{7pt} \Big| \sigma \\ \ce{N} \;\; \underset{ \mathrm{1s^2} }{ \boxed{ \downarrow \uparrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \downarrow \uparrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p}_x^1 }{ \boxed{ \hspace{5pt} \downarrow } }\hspace{-0.4pt} \underset{ \mathrm{2p}_y^1 }{ \boxed{ \hspace{5pt} \downarrow } }\hspace{-0.4pt} \underset{ \mathrm{2p}_z^1 }{ \boxed{ \hspace{5pt} \downarrow } } & \end{aligned} Todavia, somente um dos três orbitais de cada átomo, que está no orbital 2pz\mathrm{2p}_z, consegue se sobrepor frontalmente para formar uma ligação σ\sigma. Dois dos orbitais 2p\mathrm{2p} de cada átomo (2px\mathrm{2p}_x e 2py\mathrm{2p}_y) são perpendiculares ao eixo internuclear e cada um deles contém um elétron desemparelhado. Quando esses elétrons, um de cada orbital p\mathrm{p} de um átomo de N\ce{N}, se emparelham, seus orbitais só podem se sobrepor lado a lado. Esse tipo de superposição leva a uma ligação π\pi, uma ligação em que os dois elétrons estão em dois lobos, um de cada lado do eixo internuclear. Mais formalmente:

  • Uma ligação π\pi tem um único plano nodal que contém o eixo internuclear.

Embora uma ligação π\pi tenha densidade eletrônica nos dois lados do eixo internuclear, existe só uma ligação em que a nuvem de elétrons tem dois lobos, como acontece com o orbital p\mathrm{p}, que é um orbital com dois lobos. Em uma molécula com duas ligações π\pi, como NX2\ce{N2}, as densidades eletrônicas das duas ligações π\pi se fundem, e os dois átomos parecem rodeados por um cilindro de densidade eletrônica

Ponto para pensar

Como se forma uma ligação δ\delta (delta)?

De modo geral, a teoria da ligação de valência pode ser usada nestes casos para descrever as ligações covalentes:

  • Uma ligação simples é uma ligação σ\sigma.
  • Uma ligação dupla é uma ligação σ\sigma mais uma ligação π\pi.
  • Uma ligação tripla é uma ligação σ\sigma mais duas ligações π\pi.

Segundo a teoria da ligação de valência, as ligações se formam quando os elétrons dos orbitais atômicos da camada de valência formam pares; os orbitais atômicos se sobrepõem cabeça‑cabeça para formar ligações σ\sigma ou lateralmente para formar ligações π\pi.

A promoção de elétrons e a hibridação de orbitais

Algumas dificuldades são observadas quando a teoria VB é aplicada ao metano. O átomo de carbono tem a configuração [He]2s22px12py1\ce{[He]}\,\mathrm{2s^2 2p_\mathnormal{x}^1 2p_\mathnormal{y}^1} com quatro elétrons de valência: C    2s2    2p2 \ce{C} \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \phantom{\uparrow \downarrow} } } No entanto, dois elétrons já estão emparelhados e somente os dois orbitais 2p\mathrm{2p} incompletos do átomo de carbono estão disponíveis para a ligação. A impressão que se tem é de que o carbono deveria ter valência 2 e formar somente duas ligações perpendiculares. Porém, sabemos que o carbono quase sempre tem valência 4 (normalmente é tetravalente) e no CHX4\ce{CH4} o arranjo de ligações é tetraédrico.

Um átomo de carbono tem quatro elétrons desemparelhados disponíveis para a ligação quando um elétron é promovido, isto é, realocado em um orbital de energia mais alta. Quando um elétron 2s\mathrm{2s} é promovido a um orbital 2p\mathrm{2p} vazio, o átomo de carbono adquire a configuração [He]2s12px12py12pz1\ce{[He]}\,\mathrm{2s^1 2p_\mathnormal{x}^1 2p_\mathnormal{y}^1 2p_\mathnormal{z}^1} e pode formar quatro ligações: C    2s2    2p2 \ce{C} \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } O caráter tetravalente do carbono deve-se à pequena energia de promoção de um átomo de carbono. Ela é pequena porque um elétron 2s\mathrm{2s} é transferido de um orbital que ele partilha com outro elétron para um orbital 2p\mathrm{2p} vazio. Embora o elétron fique em um orbital de maior energia, ele sofre menos repulsão de outros elétrons do que antes da promoção. Como resultado, somente uma pequena quantidade de energia é necessária para promover o elétron. O nitrogênio, vizinho do carbono, não pode utilizar a promoção para elevar o número de ligações que pode formar, porque a promoção não aumenta o número de elétrons desemparelhados que ele tem: N    2s2    2p2 \ce{N} \;\; \underset{ \mathrm{2s^2} }{ \boxed{ \uparrow \downarrow } } \;\; \underset{ \mathrm{2p^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } O mesmo ocorre com o oxigênio e o flúor. A promoção de um elétron é possível se a carga total, levando em conta todas as contribuições para a energia e, especialmente, o maior número de ligações que podem se formar, está na direção da menor energia. O boro, [He]2s22p1\ce{[He]} \, \mathrm{2s^2 2p^1}, como o carbono, é um elemento em que a promoção de um elétron pode levar à formação de mais ligações (três, no boro), e geralmente ele forma três ligações.

Neste ponto, parece que a promoção de um elétron leva a dois tipos de ligação no metano: uma resultante da superposição de um orbital 1s\mathrm{1s} do hidrogênio com um orbital 2s\mathrm{2s} do carbono e três ligações resultantes da superposição de um orbital 1s\mathrm{1s} de cada hidrogênio com cada um dos três orbitais 2p\mathrm{2p} do carbono. A superposição com os orbitais 2p\mathrm{2p} deveria levar a três ligações σ\sigma a 9090^\circ entre si. Este modelo, todavia, não corresponde à estrutura tetraédrica conhecida do metano com quatro ligações equivalentes.

O modelo é melhorado lembrando que os orbitais s\mathrm{s} e p\mathrm{p} são ondas de densidade eletrônica centradas no núcleo do átomo. Imagine que os quatro orbitais interferem uns nos outros e produzem novos arranjos quando se cruzam, como ondas na água. Quando as funções de onda são todas positivas ou todas negativas, as amplitudes aumentam pela interferência e quando as funções de onda têm sinais opostos, as amplitudes se reduzem e eventualmente se cancelam. Por essa razão, a interferência entre orbitais atômicos origina novos padrões, chamados de orbitais híbridos. Cada um dos orbitais híbridos, denominados hi, forma-se pela combinação linear de quatro orbitais atômicos: h1=s+px+py+pzh2=spxpy+pzh3=spx+pypzh4=s+pxpypz \begin{aligned} h_1 = \mathrm{s + p_\mathnormal{x} + p_\mathnormal{y} + p_\mathnormal{z}} \\ h_2 = \mathrm{s - p_\mathnormal{x} - p_\mathnormal{y} + p_\mathnormal{z}} \\ h_3 = \mathrm{s - p_\mathnormal{x} + p_\mathnormal{y} - p_\mathnormal{z}} \\ h_4 = \mathrm{s + p_\mathnormal{x} - p_\mathnormal{y} - p_\mathnormal{z}} \end{aligned} Em h1h_1, por exemplo, os orbitais s\mathrm{s} e p\mathrm{p} têm os sinais usuais e suas amplitudes se adicionam porque eles são todos positivos. Em h2h_2, porém, os sinais de px\mathrm{p}_x e py\mathrm{p}_y são invertidos, logo, o padrão de interferência resultante é diferente. Esses quatro orbitais híbridos são chamados de híbridos sp3\mathrm{sp^3} porque são formados a partir de um orbital s\mathrm{s} e três orbitais p\mathrm{p}. Eles diferem na orientação, cada um apontando para o vértice de um tetraedro. Em todos os outros aspectos eles são idênticos.

Em um diagrama de energia de orbitais, a hibridação é representada como a formação de quatro orbitais de igual energia. Esta energia é intermediária entre as energias dos orbitais s\mathrm{s} e p\mathrm{p} com os quais eles são formados: C    sp3 \ce{C} \;\; \underset{ \mathrm{sp^3} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } Os orbitais híbridos sp3\mathrm{sp^3} têm dois lobos, mas um dos lobos se estende além do orbital p\mathrm{p} original e o outro é mais curto. O fato de que os orbitais híbridos têm suas amplitudes concentradas em um lado do núcleo permite que eles se estendam e se sobreponham mais efetivamente com outros orbitais e, como resultado, formam ligações mais fortes do que se não ocorresse hibridação.

As ligações no metano agora podem ser explicadas. No átomo hibridado com um elétron promovido, os quatro orbitais híbridos sp3\mathrm{sp^3} podem formar um par com o elétron do orbital 1s\mathrm{1s} de um hidrogênio. As superposições formam quatro ligações σ\sigma que apontam para os vértices de um tetraedro regular. Agora é possível ver que a descrição dada pela teoria da ligação de valência é coerente com a forma conhecida da molécula.

Quando existe mais de um átomo central na molécula, a hibridação de cada átomo é ajustada à forma obtida usando o modelo VSEPR. No etano, CX2HX6\ce{C2H6}, por exemplo, os dois átomos de carbono são considerados centrais. De acordo com o modelo VSEPR, os quatro pares de elétrons de cada átomo de carbono assumem um arranjo tetraédrico. Esse arranjo sugere a hibridação sp3\mathrm{sp^3} para os átomos de carbono, como no metano. Cada átomo de C\ce{C} tem um elétron desemparelhado em cada um dos quatro orbitais híbridos sp3\mathrm{sp^3} e pode formar quatro ligações σ\sigma dirigidas aos vértices de um tetraedro regular. A ligação CC\ce{C-C} é formada pelo emparelhamento dos spins de dois elétrons um em cada orbital híbrido sp3\mathrm{sp^3} de um átomo de C\ce{C}. Chamamos essa ligação de σ(C2sp3,C2sp3)\sigma(\ce{C}\mathrm{2sp^3},\ce{C}\mathrm{2sp^3}) para descrever sua composição: C2sp3\ce{C}\mathrm{2sp^3} significa um orbital híbrido sp3\mathrm{sp^3} composto por orbitais 2s\mathrm{2s} e 2p\mathrm{2p} de um átomo de carbono, e os parênteses mostram quais orbitais de cada átomo estão se sobrepondo. Cada ligação CH\ce{C-H} se forma quando um elétron em um dos orbitais sp3\mathrm{sp^3} restantes se emparelha com um elétron do orbital 1s\mathrm{1s} de um átomo de hidrogênio (representado por H1s\ce{H}\mathrm{1s}). Essas ligações são representadas por σ(C2sp3,H1s)\sigma(\ce{C}\mathrm{2sp^3},\ce{H}\mathrm{1s}).

A promoção de elétrons só ocorrerá se o resultado for o abaixamento da energia provocado pela formação de novas ligações. Os orbitais híbridos são formados em um átomo para reproduzir o arranjo dos elétrons que é característico da forma experimental determinada para a molécula.

Outros tipos comuns de hibridação

Diferentes esquemas de hibridação são usados para descrever outros arranjos de pares de elétrons. Para explicar um arranjo trigonal planar, como o do BFX3\ce{BF3} e de cada átomo de carbono do eteno, um orbital s\mathrm{s} e dois orbitais p\mathrm{p} são misturados para produzir três orbitais híbridos sp2\mathrm{sp^2}. Os três orbitais, que são idênticos (exceto pela orientação espacial) estão no mesmo plano e apontam para os vértices de um triângulo equilátero. B    sp2    p \ce{B} \;\; \underset{ \mathrm{sp^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\; \underset{ \mathrm{p} }{ \boxed{ \phantom{\uparrow \downarrow} } }

Um arranjo linear de pares de elétrons requer dois orbitais híbridos, então um orbital s\mathrm{s} é misturado com um orbital p\mathrm{p} para produzir dois orbitais híbridos sp\mathrm{sp}. Estes dois orbitais sp híbridos apontam para direções opostas, formando um ângulo de 180180^\circ. Esta é a configuração do BeClX2\ce{BeCl2}: Be    sp    p \ce{Be} \;\; \underset{ \mathrm{sp} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\; \underset{ \mathrm{p} }{ \boxed{ \phantom{\uparrow \downarrow} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \phantom{\uparrow \downarrow} } }

Alguns dos elementos do Período 3 e posteriores podem acomodar cinco pares de elétrons ou mais, como em PClX5\ce{PCl5}. Estes tipos de ligação são descritos por um esquema de hibridação que usa os orbitais d\mathrm{d} do átomo central. Para explicar um arranjo de bipirâmide trigonal com cinco pares de elétrons, pressupõe-se que um orbital d\mathrm{d} se misture com os orbitais s\mathrm{s} e p\mathrm{p} do átomo. Os cinco orbitais resultantes são chamados de orbitais híbridos sp3d\mathrm{sp^3d}.

São necessários seis orbitais para acomodar os seis pares de elétrons ao redor do átomo em um arranjo octaédrico, como em SFX6\ce{SF6} e XeFX4\ce{XeF4}. Assim, pressupomos que dois orbitais d\mathrm{d} se misturam aos orbitais s\mathrm{s} e p\mathrm{p} para gerar seis orbitais híbridos sp3d2\mathrm{sp^3d^2}. Esses orbitais idênticos apontam para os seis vértices de um octaedro regular.

A Tab. 1G.2.1 resume as relações entre o arranjo de elétrons e o tipo de hibridação. Observe que o número de orbitais híbridos é sempre igual ao número de orbitais atômicos usado na sua construção:

  • NN orbitais atômicos sempre produzem NN orbitais híbridos.
Tabela 1G.2.1
Hibridação e forma molecular
Arranjo dos elétrons NN Hibridação
Linear22sp\mathrm{sp}
Trigonal planar33sp2\mathrm{sp^2}
Tetraédrico44sp3\mathrm{sp^3}
Bipirâmide trigonal55sp3d\mathrm{sp^3d}
Octaédrico66sp3d2\mathrm{sp^3d^2}

Até agora, os átomos terminais, como os átomos de cloro no PClX5\ce{PCl5}, não foram considerados hibridados. Dados espectroscópicos e cálculos sugerem que os orbitais s\mathrm{s} e p\mathrm{p} dos átomos terminais participam das ligações e é razoável supor que seus orbitais são hibridados. O modelo mais simples é imaginar que os três pares de elétrons e o par de elétrons da ligação estão em um arranjo tetraédrico e que os átomos de cloro ligam-se ao átomo de fósforo por orbitais híbridos sp3\mathrm{sp^3}.

O esquema de hibridação é adotado para corresponder ao arranjo de elétrons de uma molécula. A expansão do octeto implica o envolvimento de orbitais d\mathrm{d}.

As características das ligações múltiplas

Os átomos dos elementos do Período 2, C\ce{C}, N\ce{N} e O\ce{O}, formam ligações duplas uns com os outros, entre si e (especialmente o oxigênio) com átomos de elementos de períodos posteriores. Entretanto, ligações duplas são raras entre os elementos do Período 3 e posteriores porque os átomos e, consequentemente, as distâncias de ligações são muito grandes para que a superposição lateral dos orbitais p\ce{p} seja eficiente.

O padrão observado no eteno, CHX2=CHX2\ce{CH2=CH2}, é utilizado para descrever outras ligações duplas carbono-carbono. Os dados experimentais indicam que os seis átomos do eteno estão no mesmo plano, com ângulos de ligação HCH\ce{H-C-H} e CCH\ce{C-C-H} iguais a 120120^\circ. Esse ângulo sugere um arranjo trigonal planar para os elétrons e hibridação sp2\mathrm{sp^2} para os átomos de C\ce{C}: C    2sp2    2p \ce{C} \;\; \underset{ \mathrm{2sp^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } \;\; \underset{ \mathrm{2p} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } Cada orbital híbrido do átomo de C\ce{C} tem um elétron disponível para ligação. O quarto elétron de valência de cada átomo de C\ce{C} ocupa o orbital 2p\mathrm{2p}, não hibridado, perpendicular ao plano formado pelos híbridos. Os dois átomos de carbono formam uma ligação sigma por superposição de um orbital híbrido sp2\mathrm{sp^2} de cada átomo. Os átomos de C\ce{C} formam ligações sigma com os lobos remanescentes dos híbridos sp2\mathrm{sp^2}. Os elétrons dos dois orbitais 2p\mathrm{2p} não hibridados formam uma ligação π\pi por superposição lateral.

No benzeno, os átomos de C\ce{C} e os de H\ce{H} ligados a eles estão no mesmo plano e os átomos de C\ce{C} formam um anel hexagonal. Para descrever as ligações das estruturas de Kekulé do benzeno (Tópico 2D) nos termos da teoria VB, os orbitais híbridos nos átomos de C\ce{C} precisam reproduzir os ângulos de ligação de 120120^\circ do anel hexagonal. Portanto, os átomos de carbono são considerados hibridados em sp2\mathrm{sp^2}, como no eteno. Existe um elétron em cada um dos três orbitais híbridos e um elétron no orbital 2p\mathrm{2p}, não hibridado, perpendicular ao plano dos híbridos. Dois orbitais híbridos sp2\mathrm{sp^2} de cada átomo de carbono se sobrepõem aos de seus vizinhos, resultando em seis ligações σ\sigma entre eles. O orbital híbrido sp2\mathrm{sp^2} restante se sobrepõe a um orbital 1s\mathrm{1s} do hidrogênio para formar seis ligações carbono-hidrogênio. Por fim, a superposição lateral do orbitais 2p\mathrm{2p} de cada átomo de carbono resulta em uma ligação π\pi com um dos vizinhos. O resultado é que as ligações π\pi correspondem às duas estruturas de Kekulé, e a estrutura final é um híbrido de ressonância das duas. Essa ressonância garante que os elétrons das ligações π\pi se espalhem por todo o anel.

A presença de uma ligação dupla carbono-carbono influencia fortemente a forma da molécula porque impede a rotação de uma parte da estrutura em relação à outra. A ligação dupla do eteno, por exemplo, torna a molécula planar. Os dois orbitais 2p\mathrm{2p} se sobrepõem melhor se os dois grupos CHX2\ce{CH2} estiverem no mesmo plano. Para que ocorresse rotação em torno da ligação dupla, a ligação π\pi teria de se quebrar e se formar novamente.

As ligações duplas e sua influência sobre a forma das moléculas são extremamente importantes para os organismos vivos. A visão depende da forma de uma molécula chamada retinal, que existe na retina do olho. O cis-retinal mantém-se rígido por força de suas ligações duplas. Quando a luz encontra o olho, ela excita um elétron da ligação π\pi, indicada pela seta. A ligação dupla se enfraquece e a molécula pode rodar em torno da ligação σ\sigma remanescente. Quando o elétron excitado retorna ao orbital original, a molécula é congelada na forma trans. Essa mudança de forma dispara um sinal que é transportado pelo nervo óptico até o cérebro, onde é interpretado como uma sensação de visão.

Vejamos, agora, os alquinos, hidrocarbonetos com ligações triplas. A estrutura de Lewis da molécula linear do etino (acetileno) é HCCH\ce{H-C#C-H}. Uma molécula linear tem dois orbitais equivalentes separados por um ângulo de 180180^\circ, o que caracteriza hibridação sp\mathrm{sp}. Cada átomo de C\ce{C} tem um elétron em cada um dos dois orbitais híbridos sp\mathrm{sp} e um elétron em cada um dos dois orbitais perpendiculares 2p\mathrm{2p} não hibridados: C    2sp2    2p \ce{C} \;\; \underset{ \mathrm{2sp^2} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }} \;\; \underset{ \mathrm{2p} }{ \boxed{ \uparrow \hspace{5pt} }\hspace{-0.4pt}\boxed{ \uparrow \hspace{5pt} } } Os elétrons de um dos orbitais híbridos sp em cada átomo de carbono se emparelham e formam uma ligação σ\sigma carbono-carbono. Os elétrons dos orbitais híbridos sp\mathrm{sp} restantes se emparelham com os elétrons 1s\mathrm{1s} do hidrogênio e formam duas ligações σ\sigma carbono-hidrogênio. Os elétrons dos dois conjuntos de orbitais 2p\mathrm{2p} perpendiculares se emparelham por superposição lateral, formando duas ligações π\pi em 9090^\circ. Como na molécula do NX2\ce{N2}, a densidade eletrônica nas ligações π\pi forma um cilindro em torno do eixo da ligação CC\ce{C-C}.

A teoria da ligação de valência explica por que uma ligação dupla carbono-carbono é mais forte do que uma ligação simples carbono-carbono, porém mais fraca do que a soma de duas ligações simples (Tópico 2E), e por que uma ligação tripla carbono-carbono é mais fraca do que a soma de três ligações simples. Uma ligação simples CC\ce{C-C} é uma ligação σ\sigma, mas as ligações adicionais de uma ligação múltipla são ligações π\pi. Uma razão para a diferença de força está na superposição lateral dos orbitais p\mathrm{p}, que é menor e mais fraca em uma ligação π\pi do que a superposição cabeça-cabeça que leva a uma ligação σ\sigma. A superposição lateral também explica por que raramente são encontradas ligações duplas nos átomos dos elementos dos períodos posteriores ao Período 3. Os átomos são muito grandes para se sobrepor de maneira eficiente e formar uma ligação.

Nas ligações múltiplas, um átomo forma uma ligação σ\sigma, usando um orbital híbrido sp\mathrm{sp} ou sp2\mathrm{sp^2}, e uma ou mais ligações π\pi, usando orbitais p\mathrm{p} não hibridados. A superposição lateral que produz uma ligação π\pi restringe a rotação das moléculas, resulta em ligações mais fracas do que as ligações σ\sigma e impede que átomos com raios maiores formem ligações múltiplas