Os resultados empíricos resumidos pelas leis dos gases sugerem um modelo em que um gás ideal é formado por moléculas muito espaçadas, que não interagem entre si e que estão em movimento incessante e aleatório, com velocidades médias que aumentam com a temperatura. Este modelo é detalhado em duas etapas neste tópico. Primeiramente, as medidas experimentais da velocidade com que os gases viajam de uma região para outra são usadas para obter informações sobre as velocidades médias das moléculas. Em seguida, essas informações são empregadas para expressar quantitativamente o modelo.

O modelo cinético dos gases

O modelo cinético, ou teoria cinética molecular, é um modelo de gás ideal que explica as leis dos gases e o comportamento da efusão e pode ser usado para fazer predições numéricas. Ele é baseado nas seguintes suposições:

  1. Um gás é uma coleção de moléculas em movimento aleatório contínuo.
  2. As moléculas de um gás são pontos muito pequenos.
  3. As partículas se movem em linha reta até colidirem.
  4. As moléculas não influenciam umas às outras, exceto durante as colisões.
  5. As colisões são elásticas.

A quarta hipótese significa que o modelo exige que não existam forças de atração ou repulsão entre as moléculas do gás ideal, exceto durante as colisões instantâneas. Uma colisão é elástica se a energia cinética total das moléculas em colisão permanece invariável durante o fenômeno.

No modelo cinético dos gases, as moléculas são consideradas sempre muito separadas e em movimento aleatório constante. Elas se deslocam sempre em linha reta, mudando de direção apenas quando colidem com a parede do recipiente ou com outra molécula. As colisões mudam a velocidade e a direção das moléculas, como bolas em um jogo de sinuca molecular tridimensional. O modelo cinético de um gás permite obter a relação quantitativa entre a pressão e as velocidades das moléculas: PV=13nMvrms2 PV = \dfrac{1}{3} nMv_\mathrm{rms}^2 em que nn é a quantidade (em mols) de moléculas de gás, MM é sua massa molar e é a raiz vrmsv_\mathrm{rms} quadrada da velocidade quadrática média das moléculas (a raiz quadrada da média dos quadrados das velocidades). Se existem NN moléculas na amostra cujas velocidades são, em algum momento, v1,v2,,vNv_1, v_2, \ldots, v_N, a raiz quadrada da velocidade quadrática média é: vrms=v12+v22++vN2N v_\mathrm{rms} = \sqrt{ \dfrac{ v_1^2 + v_2^2 + \ldots + v_N^2 }{N} }

A lei dos gases ideais pode agora ser usada para calcular a velocidade quadrática média das moléculas de um gás. vrms=3RTM v_\mathrm{rms} = \sqrt{ \dfrac{3RT}{M} } Esta equação importante serve para encontrar a raiz quadrada da velocidade quadrática média das moléculas em fase gás em qualquer temperatura. Ela também pode ser reescrita para enfatizar que, para um gás, a temperatura é uma medida da velocidade média das moléculas. T=Mvrms23R T = \dfrac{Mv_\mathrm{rms}^2}{3R} Isto é, a temperatura de um gás é proporcional à velocidade média de suas moléculas.

Exemplo 2C.3.1
Cálculo da raiz quadrada da velocidade quadrática média das moléculas de um gás

Calcule a raiz quadrada da velocidade quadrática média das moléculas de nitrogênio em 20 °C\pu{20 \degree C}.

Etapa 2. Use a equação da raiz quadrada da velocidade quadrática média das moléculas de um gás.

De vrms=3RT/Mv_\mathrm{rms} = \sqrt{3RT/M} vrms=(3×8,3 JKmol×293 K2,8102 kgmol)1/2=511 ms1 v_\mathrm{rms} = \left( \dfrac{ 3 \times \pu{8,3 J//K.mol} \times \pu{293 K} }{ \pu{2,8e-2 kg//mol} } \right)^{1/2} = \fancyboxed{ \pu{511 m.s-1} }

O modelo cinético dos gases é coerente com a lei dos gases ideais e produz uma expressão para a raiz quadrada da velocidade quadrática média das moléculas. A raiz quadrada da velocidade quadrática das moléculas de um gás é proporcional à raiz quadrada da temperatura.

A difusão e a efusão

A observação de dois processos, a difusão e a efusão, fornece resultados que mostram como as velocidades médias das moléculas dos gases se relacionam com a massa molar e a temperatura.

  • A difusão é a dispersão gradual de uma substância em outra substância

Ocorre difusão quando, por exemplo, um cilindro de criptônio é aberto em uma atmosfera de neônio. A difusão explica a expansão dos perfumes e dos feromônios pelo ar. Ela também ajuda a manter aproximadamente uniforme a composição da atmosfera.

  • A efusão é a fuga de um gás para o vácuo através de um orifício pequeno.

Ocorre efusão sempre que um gás está separado do vácuo por uma barreira porosa — uma barreira que contém orifícios microscópicos — ou por uma única abertura muito pequena. O gás escapa pela abertura porque ocorrem mais colisões com o orifício do lado de alta pressão do que do lado de baixa pressão e, consequentemente, passam mais moléculas da região de alta pressão para a região de baixa pressão do que na direção oposta. A efusão é examinada nesta seção, mas os aspectos discutidos são válidos também para a difusão.

A velocidade de efusão é proporcional à velocidade média das moléculas do gás porque ela determina a velocidade com que as moléculas se aproximam do furo. Portanto, podemos concluir que: velocidade de efusa˜ovrmsTM \text{velocidade de efusão} \propto v_\mathrm{rms} \propto \sqrt{ \dfrac{T}{M} } Essa observação é hoje conhecida como a lei da efusão de Graham:

  • A velocidade de efusão de um gás é proporcional à raiz quadrada da temperatura e inversamente proporcional à raiz quadrada de sua massa molar.
Ponto para pensar

Por que as moléculas mais pesadas difundem mais lentamente do que as moléculas leves na mesma temperatura?

Se a lei de Graham fosse escrita para dois gases, A\ce{A} e B\ce{B}, com massas molares MAM_{\ce{A}} e MBM_{\ce{B}} e uma equação fosse então dividida pela outra, as constantes de proporcionalidade se cancelariam e o resultado seria: velocidade de efusa˜o de Avelocidade de efusa˜o de B=TA/MATB/MB=TATBMBMA \dfrac{ \text{velocidade de efusão de A} }{ \text{velocidade de efusão de B} } = \sqrt{ \dfrac{ T_{\ce{A}}/M_{\ce{A}} }{ T_{\ce{B}}/M_{\ce{B}} } } = \sqrt{ \dfrac{ T_{\ce{A}} }{ T_{\ce{B}} } \dfrac{ M_{\ce{B}} }{ M_{\ce{A}} } } Como os tempos necessários para que as mesmas quantidades (em números ou mols de moléculas) das duas substâncias efundam por uma pequena abertura são inversamente proporcionais às velocidades com que efundem, o tempo necessário para determinada substância efundir através de um orifício é diretamente proporcional à raiz quadrada de sua massa molar. Portanto, a seguinte expressão é equivalente à Eq. 2C.3.3: tempo de efusa˜o de Atempo de efusa˜o de B=TBTAMAMB \dfrac{ \text{tempo de efusão de A} }{ \text{tempo de efusão de B} } = \sqrt{ \dfrac{ T_{\ce{B}} }{ T_{\ce{A}} } \dfrac{ M_{\ce{A}} }{ M_{\ce{B}} } } Esta relação pode ser usada para estimar a massa molar de uma substância comparando o tempo necessário para a efusão da substância desconhecida com o tempo necessário para a efusão da mesma quantidade de uma substância de massa molar conhecida.

Exemplo 2C.3.2
Cálculo da massa molar por comparação de tempo de efusão

São necessários 40 s\pu{40 s} para 30 mL\pu{30 mL} de argônio efundirem por uma barreira porosa. O mesmo volume de vapor de um composto volátil extraído de esponjas do Caribe leva 120 s\pu{120 s} para efundir pela mesma barreira nas mesmas condições.

Calcule a massa molar do composto.

Etapa 2. Use a lei de Graham para comparar os tempos de efusão de dois compostos diferentes na mesma temperatura.

De tX/tAr=MX/MArt_{\ce{X}}/t_{\ce{Ar}} = \sqrt{ M_{\ce{X}}/M_{\ce{Ar}} } MX=MAr(tXtAr)2 M_{\ce{X}} = M_{\ce{Ar}} \left( \dfrac{ t_{\ce{X}} }{ t_{\ce{Ar}} } \right)^2 logo, MX=40 gmol(120 s40 s)2=360 gmol1 M_{\ce{X}} = \pu{40 g//mol} \left( \dfrac { \pu{120 s} }{ \pu{40 s} } \right)^2 = \fancyboxed{ \pu{360 g.mol-1} }

A velocidade média das moléculas de um gás é diretamente proporcional à raiz quadrada da temperatura e inversamente proporcional à raiz quadrada da massa molar.

A distribuição das velocidades de Maxwell

Embora muito útil, a Eq. 2C.3.1 dá somente a raiz quadrada da velocidade quadrática média das moléculas de um gás. CAs moléculas têm velocidades que podem variar muito. Além disso, uma molécula pode quase parar quando colide com outra e, no instante seguinte, ser ser golpeada por outra molécula e mover-se na velocidade do som. Uma molécula sofre vários bilhões de mudanças de velocidade e direção a cada segundo.

A fórmula usada para calcular a fração de moléculas de gás que têm uma determinada velocidade, vv, em um dado momento foi originalmente derivada do modelo cinético pelo cientista escocês James Clerk Maxwell. Ele obteve a distribuição de velocidades de Maxwell.

Distribuição de Maxwell para uma única substância em diferentes temperaturas. Quanto mais alta for a temperatura, maior será a velocidade média e mais amplo será o intervalo de velocidades.
Figura 2C.3.1

A Fig. 2C.3.1 mostra um gráfico da distribuição de Maxwell em função da velocidade para vários gases. Pode-se ver que as moléculas pesadas (com massa molar 100 gmol1\pu{100 g.mol-1}, por exemplo) viajam com velocidades próximas de seus valores médios. As moléculas leves (20 gmol1\pu{20 g.mol-1}, por exemplo) têm não somente velocidades médias maiores, como também uma faixa maior de velocidades. Algumas moléculas de gases que têm massas molares pequenas têm velocidades tão altas que podem escapar da força gravitacional de planetas pequenos e sair para o espaço. Consequentemente, moléculas de hidrogênio e átomos de hélio, que são muito leves, são muito raros na atmosfera da Terra, mas são abundantes em planetas de massa muito grande, como Júpiter.

Um gráfico da distribuição de Maxwell para o mesmo gás em várias temperaturas mostra que a velocidade média cresce quando a temperatura aumenta (Fig. 2C.3.2), conforme esperado com base nas observações do comportamento de difusão e efusão, mas as curvas também mostram que a distribuição de velocidades se amplia com o aumento da temperatura. Em baixas temperaturas, a maior parte das moléculas tem velocidades próximas de sua velocidade média. Em temperaturas altas, uma grande proporção delas tem velocidades muito diferentes de suas velocidades médias. Como a energia cinética de uma molécula em um gás é proporcional ao quadrado de sua velocidade, a distribuição das energias cinéticas moleculares é semelhante.

Faixa de velocidades das moléculas de três gases, conforme a distribuição de Maxwell. Todas as curvas correspondem à mesma temperatura. Quanto maior for a massa molar, menor será a velocidade média e mais estreito será o intervalo de velocidades.
Figura 2C.3.2

As moléculas de todos os gases têm uma ampla faixa de velocidades. Quando a temperatura cresce, a raiz quadrada da velocidade quadrática média e a faixa de velocidades aumentam.