A teoria das colisões

Qualquer modelo de como as reações ocorrem em nível molecular tem de levar em conta a dependência das constantes de velocidade em relação à temperatura, como expresso na equação de Arrhenius. Ele deve, ainda, mostrar o significado dos parâmetros de Arrhenius AA e EaE_\mathrm{a}. Como as reações em fase gás são conceitualmente mais simples do que as reações em solução, elas serão consideradas inicialmente.

Em primeiro lugar, imagine que uma reação só pode ocorrer se os reagentes se encontram. O encontro de duas moléculas em um gás é uma colisão, e o modelo obtido com base nessas considerações é chamado de teoria das colisões. Nesse modelo, as moléculas se comportam como bolas de bilhar defeituosas: quando elas colidem em velocidades baixas, elas ricocheteiam, mas podem se despedaçar quando o impacto tem energia muito alta. De modo análogo, se duas moléculas colidem com energia cinética abaixo de um certo valor, elas simplesmente ricocheteiam. Se elas se encontram com energia superior a esse valor, ligações químicas podem se quebrar e novas ligações podem se formar. A energia cinética mínima necessária para a reação é a energia de ativação, EminE_\mathrm{min}.

Para estabelecer uma teoria quantitativa baseada nessa representação qualitativa, é preciso saber a frequência com que as moléculas colidem e a fração das colisões que têm pelo menos a energia EminE_\mathrm{min} necessária para que a reação ocorra. A frequência de colisão (o número de colisões por segundo) entre as moléculas A\ce{A} e B\ce{B} em um gás, na temperatura TT, pode ser calculada com o uso do modelo cinético de um gás: frequeˆncia de coliso˜es=σvNA2[A][B](3) \text{frequência de colisões} = \sigma v N_\mathrm{A}^2 [\ce{A}][\ce{B}] \tag{3} em que NAN_\mathrm{A} é a constante de Avogadro e σ\sigma é a seção transversal de colisão, a área que uma molécula mostra como alvo durante a colisão. Quanto maior for a seção transversal de colisão, maior é a frequência de colisões, porque as moléculas maiores são alvos mais fáceis do que moléculas pequenas. A quantidade vrelv_\text{rel} é a velocidade média relativa, isto é, a velocidade média com que as moléculas se aproximam em um gás. A velocidade média relativa é proporcional à velocidade média quadrática do gás.

O outro fator a ser considerado é a fração das moléculas que colidem com energia cinética igual ou maior do que uma certa energia mínima, EminE_\mathrm{min}, porque só essas colisões de maior energia podem levar à reação. Como a energia cinética é proporcional ao quadrado da velocidade, essa fração pode ser obtida pelo uso da distribuição de velocidades de Maxwell. A Figura 2 mostra o tipo de resultado que devemos esperar. Como a área sombreada sob a curva azul indica, muito poucas moléculas têm, em uma determinada reação em temperaturas baixas, energia cinética suficiente para reagir. Em temperaturas mais elevadas, a fração de moléculas que podem reagir é muito maior, como se pode ver pela área sombreada sob a curva vermelha. Essa fração precisa ser incorporada ao modelo.

A fração de moléculas que colide com a energia cinética igual a, no mínimo, um certo valor, E_\mathrm{a}, é dada pelas áreas sombreadas sob cada curva. Note que a fração aumenta rapidamente quando a temperatura aumenta.
Figura 2J.2.1

Para determinar como a fração das moléculas que colidem com energia igual a pelo menos EminE_\mathrm{min} afeta a velocidade da reação, é preciso lembrar que, na temperatura TT, a fração de colisões com, no mínimo, energia EminE_\mathrm{min} é igual a eEmin/RTe^{-E_\mathrm{min}/RT}. frac¸a˜o com (EEmin)=eEmin/RT(4) \text{fração com $(E \geq E_\mathrm{min})$} = e^{-E_\mathrm{min}/RT} \tag{4} A velocidade da reação é o produto desse fator pela frequência de colisão: v=σvNA2[A][B]×eEmin/RT v = \sigma v N_\mathrm{A}^2 [\ce{A}][\ce{B}] \times e^{-E_\mathrm{min}/RT} A lei de velocidade de uma reação que depende de colisões entre A\ce{A} e B\ce{B} é v=k[A][B]v = k[\ce{A}][\ce{B}], em que kk é a constante de velocidade. Portanto, a expressão da constante de velocidade é k=σvNA2×eEmin/RT(5) k = \sigma v N_\mathrm{A}^2 \times e^{-E_\mathrm{min}/RT} \tag{5} Comparando a Equação 5 com a Equação 1b, podemos identificar o termo σvNA2\sigma v N_\mathrm{A}^2 como o fator pré-exponencial, AA, e EminE_\mathrm{min} como a energia de ativação, EaE_\mathrm{a}. Isto é:

  • O fator pré-exponencial, AA, é uma medida da velocidade com que as moléculas colidem.
  • A energia de ativação, EaE_\mathrm{a}, é a energia cinética (molar) mínima necessária para que uma colisão leve à reação.

Agora está claro por que certas reações termodinamicamente espontâneas não ocorrem em uma velocidade mensurável: suas energias de ativação são tão altas que muito poucas colisões levam à reação. Embora as moléculas estejam colidindo umas com as outras bilhões de vezes por segundo, uma mistura de oxigênio e hidrogênio pode sobreviver por anos. A energia de ativação para a produção de radicais é muito alta, e nenhum radical se forma até que uma centelha ou chama entre em contato com a mistura.

A dependência da constante de velocidade da temperatura, sua sensibilidade à energia de ativação e o fato de que a constante de equilíbrio é igual à razão entre as constantes de velocidade das reações direta e inversa nos dão uma explicação cinética da variação da constante de equilíbrio com a temperatura. Para ver o que está envolvido, um perfil de reação, usado para representar as mudanças de energia que ocorrem durante uma reação, é elaborado (Figuras 3 e 4).

A energia de ativação de uma reação endotérmica é maior na direção direta do que na inversa, de modo que a velocidade da reação direta é mais sensível à temperatura e o equilíbrio se desloca para os produtos quando a temperatura aumenta.
Figura 2J.2.2
O oposto é verdadeiro para uma reação exotérmica, e a reação inversa é mais sensível à temperatura. Neste caso, o equilíbrio se desloca na direção dos reagentes, quando a temperatura aumenta.
Figura 2J.2.3

Então, com o diagrama e lembrando que uma energia de ativação alta indica alta sensibilidade da constante de velocidade com a variação de temperatura, as seguintes conclusões são obtidas:

  • Se a reação é endotérmica na direção direta, a energia de ativação é maior na direção direta do que na direção inversa.

A energia de ativação maior implica que a constante de velocidade da reação direta depende mais fortemente da temperatura do que a constante de velocidade da reação inversa. Portanto, quando a temperatura aumenta, a constante de velocidade da reação direta aumenta mais do que a da reação inversa. Como resultado, Keq=kdireta/kinversaK_\mathrm{eq} = k_\mathrm{direta} / k_\mathrm{inversa} aumenta, e os produtos são favorecidos.

  • Se a reação é exotérmica na direção direta, a energia de ativação é menor na direção direta do que na direção inversa.

Neste caso, a energia de ativação menor implica que a constante de velocidade da reação direta depende menos fortemente da temperatura do que a constante de velocidade da reação inversa. Portanto, quando a temperatura aumenta, Keq=kdireta/kinversaK_\mathrm{eq} = k_\mathrm{direta} / k_\mathrm{inversa} diminui, e a formação dos produtos é desfavorecida. Ambas as conclusões estão de acordo com o princípio de Le Chatelier.

Sempre que um modelo é desenvolvido, ele deve ser avaliado com base na consistência com resultados experimentais. No caso presente, experimentos cuidadosos mostraram que o modelo de colisões não é completo porque a constante de velocidade experimental é normalmente menor do que a predita pela teoria das colisões. O modelo pode ser melhorado levando em conta que a orientação relativa das moléculas que colidem também pode ser importante. A dependência na direção relativa é chamada de exigência estérica da reação. Ela é normalmente levada em conta introduzindo-se um fator empírico, PP, chamado de fator estérico, e alterando a Equação 5 para k=P×σvNA2×eEmin/RT(6) k = P \times \sigma v N_\mathrm{A}^2 \times e^{-E_\mathrm{min}/RT} \tag{6}

De acordo com a teoria das colisões das reações em fase gás, uma reação só ocorre se as moléculas dos reagentes colidem com uma energia cinética no mínimo igual à energia de ativação e se elas o fazem com a orientação correta.

A teoria do estado de transição

Embora a teoria das colisões se aplique às reações em fase gás, alguns de seus conceitos podem ser ampliados para explicar por que a equação de Arrhenius também se aplica a reações em solução. Em solução, as moléculas não correm velozmente pelo espaço e colidem, mas se movem juntamente com as moléculas de solvente e permanecem nas vizinhanças umas das outras por períodos relativamente longos. A teoria mais geral que explica esse comportamento (e as reações em fase gás), é chamada de teoria do estado de transição. Essa teoria aperfeiçoa a teoria das colisões ao sugerir um modo de calcular a constante de velocidade mesmo quando as exigências estéricas são significativas.

Na teoria do estado de transição, duas moléculas se aproximam e se deformam quando chegam muito perto uma da outra. Na fase gás, o encontro e a deformação equivalem à colisão da teoria das colisões. Em solução, a aproximação é uma trajetória em zigue-zague entre moléculas de solvente, e a deformação pode não ocorrer até que as duas moléculas de reagentes tenham se encontrado e recebido um chute particularmente vigoroso das moléculas do solvente que estão ao redor. Nos dois casos, a colisão ou o chute não desfazem as moléculas imediatamente. Em vez disso, o encontro leva à formação de um complexo ativado, um arranjo das duas moléculas que pode prosseguir na direção dos produtos ou se separar para restabelecer os reagentes não modificados.

Na teoria do estado de transição de velocidades de reações, supõe‑se que a energia potencial aumenta quando as moléculas de reagentes se aproximam e atinge o máximo quando elas formam o complexo ativado. Ela então decresce à medida que os átomos se rearranjam no padrão de ligações característico dos produtos, que então se separam. Somente as moléculas que têm energia suficiente podem atravessar a barreira e reagir para formar produtos.
Figura 2J.2.4

No complexo ativado, as ligações originais se esticaram e enfraqueceram, e as novas ligações só estão parcialmente formadas. Por exemplo, na reação de transferência de próton entre o ácido fraco HCN\ce{HCN} e a água, o complexo ativado pode ser representado como uma molécula de HCN\ce{HCN}, com o átomo de hidrogênio envolvido no processo de formação de uma ligação hidrogênio com o átomo de oxigênio de uma molécula de água e colocado a meio caminho entre as duas moléculas. Nesse ponto, o átomo de hidrogênio poderia voltar a formar HCN\ce{HCN} ou transformar-se em HX3OX+\ce{H3O^+}.

Na teoria do estado de transição, a energia de ativação é uma medida da energia do complexo ativado em relação à dos reagentes. O perfil de reação da Figura 5 mostra como a energia potencial total varia à medida que os reagentes se aproximam, encontram-se, formam o complexo ativado e prosseguem na direção dos produtos. Um perfil de reação mostra a energia potencial dos reagentes e produtos, com a energia total dependendo de sua posição relativa, não de sua velocidade. Considere o que acontece quando os reagentes se aproximam com uma determinada energia cinética. Quando eles se aproximam, perdem energia cinética e sobem o lado esquerdo da barreira (em outras palavras, suas energias potenciais aumentam devido à repulsão resultante da aproximação e da distorção de suas ligações). Se os reagentes têm energia cinética inferior a EaE_\mathrm{a}, eles não atingem o topo da barreira de potencial e rolam de volta pelo lado esquerdo, separando-se. Se eles têm energia cinética no mínimo igual a EaE_\mathrm{a}, podem formar o complexo ativado, passar o topo da barreira, um arranjo específico de átomos conhecidos como estado de transição, e rolar pelo outro lado, onde se separam como produtos.

Na teoria do estado de transição, uma reação só ocorre se duas moléculas adquirem energia suficiente, talvez do solvente ao redor, para formar um complexo ativado e atravessar o estado de transição no topo de uma barreira de energia.