Em química, a maior parte das reações químicas ocorre em recipientes abertos para a atmosfera e, portanto, em pressão constante de cerca de 1 atm\pu{1 atm}. Esses sistemas podem se expandir ou contrair livremente. Se um gás se forma, ele trabalha contra a atmosfera para ocupar espaço. Embora nenhum pistão esteja envolvido, trabalho é realizado. Nesse sentido, uma função de estado que medisse as variações de energia em pressão constante considerando automaticamente as perdas de energia como trabalho de expansão durante a transferência de calor seria muito útil.

As transferências de calor sob pressão constante

A função de estado que permite medir as perdas de energia na forma de trabalho de expansão durante a transferência de calor em pressão constante é chamada de entalpia, HH. A entalpia é definida como Definic¸a˜o de entalpia:H=U+PV \fancyboxed{ \text{Definição de entalpia:} \quad H = U + PV } em que UU, PP e VV são a energia interna, a pressão e o volume do sistema. A entalpia é uma função de estado porque, UU, PP e VV são funções de estado. Uma consequência dessa definição é que a variação da entalpia de um sistema é igual ao calor liberado ou absorvido em pressão constante.

Demonstração 3A.2.1
Calor liberado sob pressão constante

Considere um processo sob pressão constante no qual a variação de energia interna é ΔU\Delta U e a do volume é ΔV\Delta V. Da definição de entalpia na Eq. 3A.2.1, a variação de entalpia é: ΔH=ΔU+PΔV \Delta H = \Delta U + P \Delta V Agora, escreva ΔU=QW\Delta U = Q - W, em que QQ é a energia fornecida ao sistema na forma de calor e WW é a energia fornecida na forma de trabalho: ΔH=QW+PΔV \Delta H = Q - W + P \Delta V Agora, suponha que o sistema não consiga realizar trabalho, a não ser de expansão. Nesse caso W=PextΔVW = P_\mathrm{ext}\Delta V, portanto: ΔH=QPextΔV+PΔV \Delta H = Q - P_\mathrm{ext}\Delta V + P \Delta V Por fim, como o sistema está aberto para a atmosfera ou em um recipiente que permite a mudança de volume, a pressão é igual à pressão externa, isto é, Pext=PP_\mathrm{ext} = P, e os últimos dois termos se cancelam para dar ΔH=Q\Delta H = Q.

Para um sistema que só consegue realizar trabalho de expansão contra uma pressão constante, ΔH=QP \Delta H = Q_P Onde QPQ_P representa o calor trocado em pressão constante. Como as reações químicas geralmente ocorrem em pressão constante em reatores abertos para a atmosfera, o calor que elas fornecem ou utilizam pode ser igualado à variação de entalpia do sistema. Logo, se uma reação é estudada em um calorímetro aberto para a atmosfera, o aumento de temperatura observado pode ser usado como medida da variação de entalpia que acompanha a reação. Por exemplo, uma se uma reação libera 1 kJ\pu{1 kJ} de calor em pressão constante, então ΔH=QP=1 kJ\Delta H = Q_P = \pu{-1 kJ}.

  • Em um processo endotérmico em pressão constante, energia entra no sistema na forma de calor e a entalpia do sistema aumenta dessa mesma quantidade: ΔH<0\Delta H < 0.
  • Em um processo exotérmico em pressão constante, energia deixa o sistema forma de calor e a entalpia do sistema diminui dessa mesma quantidade: ΔH>0\Delta H > 0.

A entalpia é uma função de estado. A variação de entalpia é igual ao calor fornecido ao sistema em pressão constante.

As capacidades caloríficas dos gases

O aumento de temperatura e, portanto, a capacidade calorífica dependem das condições de aquecimento, porque, em pressão constante, parte do calor é usada para realizar o trabalho de expansão e para elevar a temperatura do sistema. A definição de capacidade calorífica tem de ser mais precisa.

Desde que não seja realizado trabalho de não expansão e que nenhuma outra mudança ocorra, o calor transferido em volume constante pode ser identificado com a variação da energia interna, ΔU=QV\Delta U = Q_V. Esta igualdade pode ser combinada com C=q/ΔTC = q/\Delta T para dar a capacidade calorífica em volume constante, CVC_V, como: CV=ΔUΔT C_V = \dfrac{ \Delta U }{ \Delta T } Do mesmo modo, como o calor transferido sob pressão constante pode ser identificado com a variação de entalpia, ΔH\Delta H, é possível definir a capacidade calorífica em pressão constante, CPC_P, como: CP=ΔHΔT C_P = \dfrac{ \Delta H }{ \Delta T } As capacidades caloríficas molares correspondentes são essas quantidades divididas pela quantidade de substância e são representadas por CV,mC_{V,\mathrm{m}} e CP,mC_{P,\mathrm{m}}.

As capacidades caloríficas em volume constante e em pressão constante de um sólido têm valores comparáveis. O mesmo ocorre com os líquidos, mas não com os gases. A diferença reflete o fato de que os gases se expandem muito mais do que os sólidos e líquidos quando aquecidos, assim, um gás perde mais energia quando aquecido sob pressão constante do que um sólido ou um líquido. É possível obter uma relação quantitativa simples entre CV,mC_{V,\mathrm{m}} e CP,mC_{P,\mathrm{m}} para um gás ideal.

Demonstração 3A.2.2
Relação entre CVC_V e CPC_P para o gás ideal

Para um gás ideal, o termo PVPV da equação H=U+PVH = U + PV pode ser substituído por nRTnRT, então, H=U+nRTH = U + nRT. Quando uma amostra de um gás ideal é aquecida, a entalpia, a energia interna e a temperatura mudam, e ΔH=ΔU+nRΔT \Delta H = \Delta U + nR \Delta T A capacidade calorífica em pressão constante pode ser expressa como: CP=ΔHΔT=ΔU+nRΔTΔT=ΔUΔT+nR=CV+nR C_P = \dfrac{ \Delta H }{ \Delta T } = \dfrac{ \Delta U + nR \Delta T }{ \Delta T } = \dfrac{ \Delta U }{ \Delta T } + nR = C_V + nR Para obter a relação entre as duas capacidades caloríficas molares, basta dividir esta expressão por nn.

O cálculo mostra que as duas capacidades caloríficas molares de um gás ideal estão relacionadas pela expressão CP,m=CV,m+R C_{P,\mathrm{m}} = C_{V,\mathrm{m}} + R A capacidade calorífica em pressão constante é maior do que em volume constante porque em pressão constante nem todo o calor fornecido é usado para aumentar a temperatura: parte volta à vizinhança como trabalho de expansão.

A relação entre as capacidades caloríficas e as propriedades moleculares é explorada usando o teorema da equipartição, mostrada na Tab. 3A.2.1. Observe que a capacidade calorífica molar aumenta com a complexidade molecular. A capacidade calorífica de moléculas não lineares é maior do que a de moléculas lineares, porque as moléculas não lineares podem rodar em torno de três eixos, em vez de dois.

Tabela 3A.2.1
Capacidades caloríficas dos gases
átomos lineares não lineares
CV,mC_{V,\mathrm{m}}32R\frac{3}{2}R52R\frac{5}{2}R3R3R
CP,mC_{P,\mathrm{m}}52R\frac{5}{2}R72R\frac{7}{2}R4R4R

A capacidade calorífica molar de um gás ideal em pressão constante é maior do que em volume constante.

A entalpia e o estado físico

As moléculas de um sólido ou de um líquido ficam permanecem unidas devido às atrações intermoleculares:

  • Mudanças de fase em que as atrações entre moléculas são reduzidas, como a fusão ou a vaporização, requerem energia e são, portanto, endotérmicas.
  • Mudanças de fase que aumentam o contato entre as moléculas, como a condensação ou a solidificação, são exotérmicas porque energia é liberada quando as moléculas se aproximam e podem interagir mais entre si.

Quando as transições de fase ocorrem, como é mais comum, em pressão constante, a transferência de calor que acompanha a mudança de fase é igual à variação de entalpia da substância.

Em uma dada temperatura, a fase vapor de uma substância tem mais energia e, portanto, maior entalpia do que a fase líquido. A diferença de entalpia molar entre os estados líquido e vapor de uma substância é chamada de entalpia de vaporização, ΔHvap\Delta H_\mathrm{vap}: ΔHvap=HgaˊsHlıˊquido \Delta H_\mathrm{vap} = H_\text{gás} - H_\text{líquido} Todas as entalpias de vaporização são positivas. A entalpia de vaporização mede a energia necessária para separar moléculas no estado líquido e levá-las a um estado livre no vapor. Assim, compostos com interações intermoleculares fortes, como ligações hidrogênio, tendem a ter as mais altas entalpias de vaporização.

A variação de entalpia molar que acompanha a fusão é chamada de entalpia de fusão, ΔHfus\Delta H_\mathrm{fus}, da substância: ΔHfus=HlıˊquidoHsoˊlido \Delta H_\mathrm{fus} = H_\text{líquido} - H_\text{sólido} A fusão, com uma única exceção conhecida (hélio), é endotérmica, logo, todas as entalpias de fusão são positivas. A entalpia de fusão da água em 0 °C\pu{0 \degree C} é 6 kJmol1\pu{6 kJ.mol-1}. Vaporizar a mesma quantidade de água requer muito mais energia (acima de 40 kJ\pu{40 kJ}). Na fusão, as moléculas podem se mover mais facilmente, mas permanecem próximas e, portanto, as interações entre elas são quase tão fortes como as do sólido.

A entalpia de solidificação é a variação de entalpia molar quando um líquido se transforma em sólido. Como a entalpia é uma função de estado, a entalpia de solidificação de uma amostra de água deve ser a mesma depois de congelada e fundida como estava antes. Portanto, a entalpia de solidificação de uma substância é o negativo da entalpia de fusão. A variação de entalpia para o inverso de qualquer processo é o valor negativo da variação de entalpia para o processo direto: ΔHinverso=ΔHdireto \Delta H_\text{inverso} = - \Delta H_\text{direto}

A sublimação é a conversão direta de um sólido em vapor. A entalpia de sublimação, ΔHsub\Delta H_\mathrm{sub}, é a variação de entalpia molar que ocorre quando o sólido sublima: ΔHfus=HvaporHsoˊlido \Delta H_\mathrm{fus} = H_\text{vapor} - H_\text{sólido} Como a entalpia é uma função de estado, a entalpia de sublimação de uma substância é a mesma, tanto se a transição ocorre em uma etapa (diretamente de sólido a gás) quanto em duas etapas (primeiro de sólido a líquido, depois de líquido a gás). Portanto, a entalpia de sublimação de uma substância deve ser igual à soma das entalpias de fusão e de vaporização: ΔHsub=Hfus+Hvap \Delta H_\mathrm{sub} = H_\mathrm{fus} + H_\mathrm{vap}

A variação de entalpia de uma reação inversa é o negativo do valor da reação direta. As variações de entalpia podem ser somadas para obter a entalpia de um processo global.