O processo de vaporização é um dos mais importantes no estudo das transições de fase, porque fornece informações sobre as forças entre as moléculas, além de ter aplicação na separação de substâncias.

A origem da pressão de vapor

Um experimento simples mostra que, em um recipiente fechado, as fases líquido e vapor entram em equilíbrio. Primeiro, você vai precisar de um barômetro de mercúrio. O mercúrio dentro do tubo cai até uma altura proporcional à pressão atmosférica externa, ficando em torno de 760 mm\pu{760 mm} no nível do mar. O espaço acima do mercúrio é quase um vácuo. Agora, injete uma pequena gota de água ao espaço acima do mercúrio. A água adicionada evapora imediatamente e enche o espaço com vapor de água. Esse vapor exerce pressão e empurra a superfície do mercúrio alguns milímetros para baixo. A pressão exercida pelo vapor — medida pela mudança da altura do mercúrio — depende da quantidade de água adicionada. Suponha, porém, que foi adicionada água suficiente para que reste uma pequena quantidade de líquido na superfície do mercúrio. Nessa situação, a pressão de vapor permanece constante, independentemente da quantidade de água líquida presente. Você pode concluir que:

  • Em uma temperatura fixa, o vapor exerce uma pressão característica que não depende da quantidade de líquido.

Por exemplo, em 20 °C\pu{20 \degree C}, o mercúrio cai 18 mm\pu{18 mm}, logo, a pressão exercida pelo vapor é 18 Torr\pu{18 Torr}. A pressão do vapor de água é a mesma se estiver presente 0,1 mL\pu{0,1 mL} ou 1 mL\pu{1 mL} de água líquida. Essa pressão característica é a pressão de vapor do líquido na temperatura do experimento (Tab. 3D.1.1).

Tabela 3D.1.1
Pressão de vapor em 25 °C\pu{25 \degree C}
SubstânciaPvap/TorrP_\mathrm{vap}/\pu{Torr}SubstânciaPvap/TorrP_\mathrm{vap}/\pu{Torr}
metanol120\pu{120}tolueno30\pu{30}
benzeno95\pu{95}água24\pu{24}
etanol59\pu{59}mercúrio1,7103\pu{1,7e-3}

Líquidos cuja pressão de vapor é alta nas temperaturas comuns são chamados de voláteis. O metanol (pressão de vapor 98 Torr\pu{98 Torr}, em 20 °C\pu{20 \degree C}) é volátil, o mercúrio (1,4 mTorr\pu{1,4 mTorr}), não. Os sólidos também exercem pressão de vapor, mas sua pressão de vapor é, normalmente, muito mais baixa do que a dos líquidos, porque as moléculas do sólido se atraem mais fortemente do que as do líquido.

Por exemplo, mesmo em 1000 K\pu{1000 K} a pressão de vapor do ferro é apenas 71017 Torr\pu{7e-17 Torr}, um valor muito baixo para sustentar uma coluna de mercúrio de um átomo de altura! Contudo, alguns sólidos irritantes como o mentol e o iodo, por exemplo, sofrem sublimação (são convertidos diretamente em vapor) e podem ser detectados pelo odor. A pressão de vapor do iodo é 0,3 Torr\pu{0,3 Torr} em 25 °C\pu{25 \degree C}.

A pressão de vapor de uma substância é a pressão exercida pelo vapor que está em equilíbrio dinâmico com a fase condensada. No equilíbrio, a velocidade de vaporização é igual à velocidade de condensação, e nenhum dos dois fenômenos é espontâneo.

A volatilidade e as forças intermoleculares

A pressão de vapor é alta quando as moléculas de um líquido são mantidas por forças intermoleculares fracas, ao passo que a pressão de vapor é baixa quando as forças intermoleculares são fortes. Por isso, você deveria esperar que os líquidos formados por moléculas capazes de formar ligações hidrogênio (que são mais fortes do que outras interações intermoleculares) sejam menos voláteis do que outros de massa molecular comparável, porém incapazes de formar ligações hidrogênio.

Pode-se ver claramente o efeito das ligações hidrogênio ao comparar metóximetano e etanol, cujas fórmulas moleculares são iguais, CX2HX6O\ce{C2H6O}. A molécula de etanol tem um grupo OH\ce{OH} que pode formar ligações hidrogênio com outras moléculas de álcool. As moléculas do éter não podem formar ligações hidrogênio umas com as outras, porque os átomos de hidrogênio estão ligados a átomos de carbono e a ligação CH\ce{C-H} não é muito polar. A pressão de vapor do etanol em 25 °C\pu{25 \degree C} é 7 kPa\pu{7 kPa}, enquanto o valor para o metóximetano é 540 kPa\pu{540 kPa}. Como resultado dessas diferenças, o etanol é um líquido na temperatura e pressão normais e o metóximetano é um gás.

A pressão de vapor de um líquido, em uma determinada temperatura, deve ser baixa se as forças que atuam entre suas moléculas forem fortes.

A pressão de vapor e a temperatura

A pressão de vapor de um líquido depende da facilidade que as moléculas do líquido encontram para escapar das forças que as mantêm juntas. Em temperaturas mais elevadas, mais energia está disponível para isso do que em temperaturas mais baixas; logo, a pressão de vapor de um líquido deve aumentar quando a temperatura aumenta. Tanto os argumentos cinéticos apresentados quanto as relações termodinâmicas podem ser usados para encontrar uma expressão para a dependência entre pressão de vapor e temperatura.

Demonstração 3D.1.1
Variação da pressão de vapor com a temperatura

A pressão de vapor de um líquido é função da energia livre da vaporização, ΔGvap\Delta G^\circ_\mathrm{vap}, pela equação (Tópico 3C): ΔGvap=RTln(PP) \Delta G^\circ_\mathrm{vap} = -RT \ln\left(\dfrac{P}{P^\circ}\right) em que P=1 barP^\circ = \pu{1 bar} é a pressão padrão.

De ΔGvap=ΔHvapTΔSvap\Delta G^\circ_\mathrm{vap} = \Delta H^\circ_\mathrm{vap} - T \Delta S^\circ_\mathrm{vap} ln(PP)=ΔGvapRT=ΔHvapRT+ΔSvapR \ln\left(\dfrac{P}{P^\circ}\right) = -\dfrac{ \Delta G^\circ_\mathrm{vap} }{ RT } = -\dfrac{ \Delta H^\circ_\mathrm{vap} }{ RT } + \dfrac{ \Delta S^\circ_\mathrm{vap} }{ R } As pressões de vapor P1P_1 e P2P_2 em duas temperaturas T1T_1 e T2T_2 são Em T1:ln(P1P)=ΔSvapRΔHvapRT1Em T2:ln(P2P)=ΔSvapRΔHvapRT2 \begin{aligned} \text{Em $T_1$:} \quad \ln\left(\dfrac{P_1}{P^\circ}\right) &= \dfrac{ \Delta S_\mathrm{vap}^\circ }{ R } - \dfrac{ \Delta H_\mathrm{vap}^\circ }{ R T_1 } \\ \text{Em $T_2$:} \quad \ln\left(\dfrac{P_2}{P^\circ}\right) &= \dfrac{ \Delta S_\mathrm{vap}^\circ }{ R } - \dfrac{ \Delta H_\mathrm{vap}^\circ }{ R T_2 } \end{aligned} É razoável considerar ΔHvap\Delta H_\mathrm{vap}^\circ e ΔSvap\Delta S_\mathrm{vap}^\circ aproximadamente independentes da temperatura na faixa de interesse. Quando essa aproximação é feita, podemos eliminar ΔSvap/R\Delta S_\mathrm{vap}^\circ/R subtraindo a primeira equação da segunda: ln(P2P1)=ΔHvapR(1T21T1) \ln\left(\dfrac{P_2}{P_1}\right) = -\dfrac{ \Delta H^\circ_\mathrm{vap} }{ R } \left( \dfrac{1}{T_2} - \dfrac{1}{T_1} \right)

O resultado desse cálculo é a equação de Clausius-Clapeyron para a pressão de vapor de um líquido em duas temperaturas diferentes: ln(P2P1)=ΔHvapR(1T21T1) \ln\left( \dfrac{ P_2 }{ P_1 } \right) = -\dfrac{ \Delta H_\mathrm{vap} }{ R } \left( \dfrac{ 1 }{ T_2 } - \dfrac{ 1 }{ T_1 } \right) em que ΔHvap\Delta H_\mathrm{vap} é a entalpia de vaporização.

O que esta equação revela?
  • A pressão de vapor aumenta quando a temperatura aumenta.
  • o aumento relativo na pressão de vapor é maior para substâncias com alta entalpia de vaporização, que possuem interações intermoleculares fortes.

A Fig. 3D.1.1 mostra como a pressão de vapor de alguns líquidos varia com a temperatura. Em um diagrama de fases, se uma das fases é um vapor, a pressão que corresponde a este equilíbrio é a pressão de vapor da substância. Portanto, o limite das fases líquido-vapor mostra como a pressão de vapor do líquido varia com a temperatura.

A pressão de vapor dos líquidos aumenta rapidamente com a temperatura, como se pode ver nos casos do dietil‑éter, etanol, e água. O ponto de ebulição normal é a temperatura em que a pressão de vapor é \pu{1 atm} \approx \pu{100 kPa}.
Figura 3D.1.1
Exemplo 3D.1.1
Cálculo da pressão de vapor de um líquido a partir de seu valor em outra temperatura

A entalpia de vaporização do CClX4\ce{CCl4} é 33 kJmol1\pu{33 kJ.mol-1} e sua pressão de vapor em 60 °C\pu{60 \degree C} é 410 Torr\pu{410 Torr}.

Calcule a pressão de vapor do CClX4\ce{CCl4} em 25 °C\pu{25 \degree C}.

Etapa 2. Use a equação de Clausius-Clapeyron.

De ln(P2P2)=ΔHvapR(1T21T1),\ln\left(\frac{P_2}{P_2}\right) = - \frac{\Delta H_\mathrm{vap}}{R} \left(\frac{1}{T_2} - \frac{1}{T_1}\right), ln(P410 Torr)=33103 Jmol8,31 JKmol(1333 K1298 K)=1,4 \ln\left( \dfrac{ P }{ \pu{410 Torr} } \right) = \dfrac{ \pu{33e3 J//mol} }{ \pu{8,31 J//K.mol} } \left( \dfrac{1}{ \pu{333 K} } - \dfrac{1}{ \pu{298 K} } \right) \\ = \pu{-1,4} logo, P=(410 Torr)×e1,4=100 Torr P = (\pu{410 Torr}) \times e^{ \pu{-1,4} } = \fancyboxed{ \pu{100 Torr} }

Uma forma mais simples da Eq. 3D.1.1, muito usada para calcular a dependência da pressão de vapor com a temperatura, é obtida escrevendo-se ln(P/P1)=lnPlnP1,\ln(P/P_1) = \ln P - \ln P_1, assim, a expressão se torna: lnP=lnP1+ΔHvapRT1aΔHvapRb×1T \ln P = \overbrace{ \ln P_1 + \dfrac{ \Delta H_\mathrm{vap} }{ RT_1 } }^{a} - \overbrace{ \dfrac{ \Delta H_\mathrm{vap} }{ R } }^{b} \times \dfrac{1}{T} Esta expressão tem a forma: lnP=ab×1T \ln P = a - b \times \dfrac{1}{T} em que aa e bb são constantes que dependem da substância. Para determinada substância, um gráfico de lnP\ln P em função de 1/T1/T deve ser uma linha reta com inclinação dada por b=ΔHvap/Rb = \Delta H_\mathrm{vap}/R.

Exemplo 3D.1.2
Cálculo da entalpia de vaporização usando o gráfico lnP×1/T\ln P \times 1/T

A pressão de vapor de um líquido foi metida em várias temperaturas, com os seguintes resultados:

Calcule a entalpia de vaporização desse líquido.

Etapa 2. Calcule o coeficiente angular da reta usando dois pontos no gráfico.

Tomando os pontos AA e BB: coef. angular=1453,52,0×1000 K=5103 K \text{coef. angular} = \dfrac{ 14 - 5 }{ \pu{3,5} - \pu{2,0} } \times \pu{1000 K} = \pu{-5e3 K}

Etapa 3. Calcule a entalpia de vaporização.

Como o coeficiente angular é igual a ΔHvap/R-\Delta H_\mathrm{vap}/R, ΔHvap=8,31 JKmol×(5103 K)=42 kJmol1 \Delta H_\mathrm{vap} = - \pu{8,31 J//K.mol} \times (\pu{-5e3 K}) = \fancyboxed{ \pu{42 kJ.mol-1} }

A pressão de vapor de um líquido aumenta com o aumento da temperatura. A equação de Clausius‑Clapeyron estabelece a dependência quantitativa da pressão de vapor com a temperatura.

A ebulição

Observe o que acontece quando um líquido é aquecido em um recipiente aberto à atmosfera. Quando a temperatura alcança o ponto em que a pressão de vapor é igual à pressão atmosférica ocorre vaporização em todo o líquido, não só na superfície, e o líquido ferve. Nessa temperatura, o vapor formado pode afastar a atmosfera e criar espaço para si mesmo. Assim, bolhas de vapor formam-se no líquido e sobem rapidamente até a superfície. O ponto de ebulição normal, TbT_\mathrm{b}, de um líquido é a temperatura na qual um líquido ferve quando a pressão atmosférica é 1 atm\pu{1 atm}. Para encontrar o ponto de ebulição devemos encontrar a temperatura em que a pressão de vapor se iguala a pressão atmosférica.

Ponto para pensar

Um líquido pode ferver em um vaso rígido selado?

A ebulição acontece em uma temperatura superior ao ponto de ebulição normal quando a pressão é superior a 1 atm\pu{1 atm}, como ocorre em uma panela de pressão. Uma temperatura mais alta é necessária para elevar a pressão de vapor do líquido até a pressão do interior da panela. A ebulição acontece em uma temperatura mais baixa quando a pressão é inferior a 1 atm\pu{1 atm}, porque a pressão de vapor alcança a pressão externa em uma temperatura mais baixa. No alto do Monte Everest, onde a pressão é aproximadamente 253 Torr,\pu{253 Torr}, a água ferve em 70 °C\pu{70 \degree C}.

Quanto menor for a pressão de vapor, maior será o ponto de ebulição. Assim, um ponto de ebulição normal alto é um sinal da ação de forças intermoleculares fortes.

Exemplo 3D.1.3
Estimativa do ponto de ebulição de um líquido

O ponto de ebulição normal do etanol é 352 K\pu{352 K} e sua pressão de vapor em 35 °C\pu{35 \degree C} é 13 kPa\pu{13 kPa}.

Calcule o ponto de ebulição normal do etanol em 2 atm\pu{2 atm}.

  • ΔHvap(etanol)=43,5 kJmol1\Delta H_\mathrm{vap}(\ce{etanol}) = \pu{43,5 kJ.mol-1}
Etapa 2. Use a equação de Clausius-Clapeyron.

De ln(P2P2)=ΔHvapR(1T21T1),\ln\left(\frac{P_2}{P_2}\right) = - \frac{\Delta H_\mathrm{vap}}{R} \left(\frac{1}{T_2} - \frac{1}{T_1}\right), ln(200 kPa13 kPa)=43,5103 Jmol8,31 JKmol(1T21308 K) \ln\left( \dfrac{ \pu{200 kPa} }{ \pu{13 kPa} } \right) = \dfrac{ \pu{43,5e3 J//mol} }{ \pu{8,31 J//K.mol} } \left( \dfrac{1}{T_2} - \dfrac{1}{ \pu{308 K} } \right) logo, T2=370 K \fancyboxed{ T_2 = \pu{370 K} }

A ebulição ocorre quando a pressão de vapor de um líquido é igual à pressão externa (atmosférica). Forças intermoleculares intensas normalmente causam pontos de ebulição normais elevados.