Imagine o que ocorre quando um cristal de glicose, , é jogado na água. Quando os átomos de água se aproximam da superfície do cristal, ligações hidrogênio começam a se formar entre as moléculas de água e as de glicose. Como resultado, as moléculas de glicose da superfície são puxadas para a solução por moléculas de água, mas são simultaneamente atraídas para o cristal por outras moléculas de glicose. Quando as interações com as moléculas de água forem comparáveis às interações com outras moléculas de glicose, essas últimas se soltam do cristal e passam para o solvente, onde ficam cercadas por moléculas de água. Um processo semelhante acontece quando um sólido iônico se dissolve. As moléculas de água polares hidratam os íons (envolvem os íons formando uma camada de solvente bastante estável) e os retiram do retículo cristalino. Remexer ou agitar acelera o processo, porque coloca mais moléculas de água livres na superfície do sólido e retira os íons hidratados das proximidades do sólido.
Se uma quantidade pequena — digamos, — de glicose é adicionada a de água, na temperatura normal, toda a glicose dissolve. Porém, se forem adicionados , parte da glicose permanece sem dissolver.
A concentração de soluto sólido na solução saturada alcançou o maior valor possível e mais nenhum soluto pode se dissolver.
Em outras palavras, a solubilidade molar de uma substância é o limite de sua capacidade de se dissolver em uma dada quantidade de solvente. Em uma solução saturada, qualquer soluto sólido presente continua a dissolver, mas a velocidade com a qual ele dissolve é exatamente igual à velocidade com que ele volta ao sólido, e a concentração permanece no valor de equilíbrio. Em uma solução saturada, o soluto dissolvido e o soluto não dissolvido estão em equilíbrio dinâmico.
A solubilidade molar de uma substância é a concentração molar de uma solução saturada.
Quase todos os organismos aquáticos dependem do oxigênio dissolvido para a respiração. Ainda que as moléculas de oxigênio não sejam polares, pequenas quantidades do gás dissolvem em água. A quantidade de oxigênio dissolvido depende da pressão sobre a superfície do líquido. Quando um gás está presente em um recipiente com um líquido, suas moléculas penetram o líquido como meteoritos que mergulham no oceano. Como o número de impactos aumenta com a pressão do gás, a solubilidade do gás — a concentração molar do gás dissolvido em equilíbrio dinâmico com o gás livre — aumenta com o aumento da pressão. Se o gás sobre o líquido é uma mistura (como, por exemplo, o ar), então a solubilidade de cada componente depende de sua pressão parcial.
As linhas retas na Fig. 3E.3.1 mostram que a solubilidade de um gás é diretamente proporcional a sua pressão parcial, . Essa observação foi feita primeiramente, em 1801, pelo químico inglês William Henry e é agora conhecida como a lei de Henry. Ela normalmente é escrita como A constante , que é chamada de constante de Henry, depende do gás, do solvente e da temperatura (Tab. 3E.3.1).
Gás | Gás | ||
---|---|---|---|
A concentração de oxigênio na água adequada para sustentar a vida aquática, deve ser superior a . Considere um lago sob atmosfera em e .
Calcule a concentração de oxigênio dissolvida no lago.
De
De
A solubilidade de um gás é proporcional a sua pressão parcial, porque um aumento de pressão corresponde a um aumento na velocidade com a qual as moléculas de gás se chocam com a superfície do solvente.
A variação da entalpia molar quando uma substância dissolve é chamada de entalpia de solução, . A variação de entalpia pode ser medida calorimetricamente a partir do calor liberado ou absorvido quando a substância dissolve em pressão constante. Entretanto, como as partículas de soluto interagem umas com as outras e com o solvente, para isolar as interações soluto-solvente, é necessário se concentrar na entalpia de solução limite, isto é, a variação de entalpia que acompanha a formação de uma solução muito diluída em que as interações soluto-soluto podem ser desprezadas. Alguns sólidos, como o cloreto de lítio, dissolvem exotermicamente, ou seja, com liberação de calor. Outros, como o nitrato de amônio, dissolvem endotermicamente.
Para entender os valores de entalpia de solução, pense na dissolução como um processo hipotético em duas etapas. Na primeira etapa, a formação de uma solução de um sal em água, imagine que os íons se separam do sólido para formar um gás de íons. A variação de entalpia que acompanha esta etapa altamente endotérmica é a entalpia de rede ou entalpia reticular, , do sólido. A entalpia de rede do cloreto de sódio (), por exemplo, é a variação de entalpia molar do processo O Tópico 1E mostrou que compostos formados por íons pequenos com muita carga (como e ) ligam-se fortemente e que muita energia é necessária para quebrar a rede. Esses compostos têm entalpias de rede altas. Compostos formados por íons grandes com carga baixa, como o iodeto de potássio, têm forças atrativas fracas e, correspondentemente, entalpias de rede baixas.
Na segunda etapa hipotética, imagine que os íons gasosos mergulham na água e formam a solução final. A entalpia molar desta etapa é chamada de entalpia de hidratação, , do composto. As entalpias de hidratação são negativas e comparáveis em valor às entalpias de rede dos compostos. No caso do cloreto de sódio, por exemplo, a entalpia de hidratação, isto é, a variação de entalpia molar do processo é . A hidratação dos compostos iônicos é sempre exotérmica, por causa da formação de interações atrativas íon-dipolo entre as moléculas de água e os íons. Ela também é exotérmica para moléculas que podem formar ligações hidrogênio com a água, como a sacarose, a glicose, a acetona e o etanol.
Agora, reúna as duas etapas do processo de dissolução e calcule a mudança de energia total: Quando os valores são incluídos, a entalpia limite de solução do cloreto de sódio, isto é, a variação de entalpia do processo: é calculada como: Como a entalpia de solução é positiva, existe um influxo líquido de energia, na forma de calor, quando o sólido dissolve. A dissolução do cloreto de sódio é, portanto, endotérmica, mas só até o limite de . Como este exemplo mostra, a mudança total de entalpia depende de um equilíbrio muito delicado entre a entalpia de rede e a entalpia de hidratação.
Por que o cloreto de sódio dissolve espontaneamente em água, apesar de a dissolução ser endotérmica?
Carga alta e raio iônico pequeno contribuem para as entalpias de hidratação elevadas. Porém, as mesmas características também contribuem para as entalpias de rede altas. É, então, muito difícil fazer predições seguras sobre a solubilidade com base na carga e no raio do íon. O melhor que pode ser feito é usar essas características para racionalizar o que é observado. Com essa limitação em mente, você pode começar a entender o comportamento de algumas substâncias comuns e as propriedades de alguns minerais. Os nitratos, por exemplo, têm ânions grandes com carga um e, consequentemente, baixas entalpias de rede. As entalpias de hidratação, entretanto, são bastante grandes, porque a água pode formar ligações hidrogênio com os ânions nitrato. Como resultado, eles raramente são achados em depósitos minerais porque são solúveis na água do solo, e a água que escorre pelo terreno carrega as substâncias solúveis. Os íons carbonato têm aproximadamente o mesmo tamanho dos íons nitrato, mas carga dois. Como resultado, eles têm, comumente, entalpias de rede maiores do que os nitratos e é muito mais difícil retirá-los de sólidos como a pedra calcária (carbonato de cálcio). Os hidrogenocarbonatos (íons bicarbonato, ) têm carga um e são mais solúveis do que os carbonatos.
A diferença de solubilidade entre os carbonatos e os hidrogenocarbonatos é responsável pelo comportamento da água dura, isto é, da água que contém sais de cálcio e magnésio dissolvidos. A água dura é originada da água da chuva que dissolve dióxido de carbono do ar e forma uma solução muito diluída de ácido carbônico: Quando a água escorre pelo solo e o penetra, o ácido carbônico reage com o carbonato de cálcio da pedra calcária ou giz e forma o hidrogenocarbonato, mais solúvel: Essas duas reações se invertem quando a água que contém é aquecida em uma chaleira ou caldeira: O dióxido de carbono é liberado, e o carbonato de cálcio forma um depósito duro chamado de escama.
Como o da dissolução de um soluto depende da concentração do soluto, mesmo se for negativo em concentrações baixas, ele pode tornar-se positivo em concentrações altas (Fig. 3E.3.2). Um soluto dissolve espontaneamente somente até . Neste ponto, o soluto dissolvido está em equilíbrio com o soluto que não dissolveu — a solução está saturada.
As entalpias de solução em soluções diluídas podem ser expressas como a soma da entalpia de rede e da entalpia de hidratação do composto. A dissolução depende do balanço entre a variação de entropia da solução e a variação de entropia da vizinhança.
A maior parte das substâncias dissolve mais depressa em temperaturas elevadas do que em temperaturas baixas. Porém, isso não significa necessariamente que elas sejam mais solúveis — isto é, que atinjam uma concentração mais alta de soluto — em temperaturas mais altas. Em alguns casos, a solubilidade é mais baixa em temperaturas mais elevadas. É importante distinguir o efeito da temperatura na velocidade de um processo de seu efeito no resultado final.
A maior parte dos gases fica menos solúvel quando a temperatura aumenta. A baixa solubilidade de gases em água morna é responsável pelas pequenas bolhas que aparecem quando um copo com água gelada é colocado em uma sala quente. As bolhas são provocadas pelo gás que estava dissolvido quando a água estava gelada e que sai da solução quando a temperatura aumenta. Ao contrário, a maior parte dos sólidos iônicos e moleculares é mais solúvel em água quente do que em água fria (Fig. 3E.3.3). Essa característica é usada no laboratório para dissolver uma substância e fazer crescer cristais, deixando uma solução saturada esfriar lentamente. Porém, alguns sólidos que contêm íons muito hidratados, como o carbonato de lítio, são menos solúveis em temperaturas altas do que em temperaturas baixas. Um pequeno número de compostos tem comportamento misto. Por exemplo, a solubilidade do sulfato de sódio deca-hidratado aumenta até 32°C, mas decresce quando a temperatura ultrapassa esse valor.
Entalpias de solução negativas indicam que energia é liberada, na forma de calor, quando uma substância dissolve. Entretanto, para decidir se a dissolução é espontânea, em temperatura e pressão constantes, é necessário analisar a variação de energia livre, . Em outras palavras, as variações de entropia do sistema precisam ser levadas em conta, não somente a entalpia.
A desordem usualmente aumenta quando um sólido ordenado se dissolve. Portanto, na maior parte dos casos é possível imaginar que a entropia do sistema aumente na formação de uma solução. Como é positivo, o aumento de desordem dá uma contribuição negativa para . Se também é negativo, você pode ter certeza de que é negativo. Pode-se esperar, então, que a maior parte das substâncias com entalpias de solução negativas seja solúvel.
Em alguns casos, a entropia do sistema diminui no processo de dissolução porque as moléculas de solvente formam estruturas semelhantes a gaiolas em torno do soluto. Como resultado, é negativo e o termo dá uma contribuição positiva para . Mesmo se for negativo, pode ser positivo. Em outras palavras, mesmo se energia é liberada para a vizinhança, o consequente aumento de entropia pode não ser suficiente para superar a diminuição de entropia do sistema, que é formado pelo soluto e pelo solvente. Neste caso, a substância não dissolve. Por essa razão, alguns hidrocarbonetos, como o heptano, são insolúveis em água, embora tenham entalpias de solução ligeiramente negativas.
Se é positivo, só pode ser negativo se for positivo e maior do que . Uma substância com entalpia de solução fortemente positiva é provavelmente insolúvel, porque a entropia da vizinhança diminui tanto que a dissolução corresponde a uma diminuição total da desordem.
Entender as contribuições para a energia livre de Gibbs da dissolução ajuda a explicar a dependência da solubilidade com a temperatura. A energia livre de Gibbs só fica mais negativa e mais favorável à dissolução, quando a temperatura aumenta, se for positivo. Para muitas substâncias iônicas, a dissolução resulta no aumento da entropia do sistema, e essas substâncias são mais solúveis em temperaturas mais elevadas. Entretanto, quando um gás dissolve em um líquido, suas moléculas ocupam muito menos espaço, e ocorre uma redução considerável da entropia do sistema. Neste caso, é positivo. Consequentemente, o aumento da temperatura faz aumentar, e a dissolução é menos favorável.
A velocidade de dissolução, mas não necessariamente a solubilidade, de uma substância aumenta com a temperatura. A solubilidade da maior parte dos gases é menor em temperaturas mais altas. Os sólidos têm comportamento variado.