Alguns processos parecem desafiar a segunda lei. Por exemplo, a água transforma-se em gelo em baixas temperaturas e as compressas frias para ferimentos de atletas ficam geladas, mesmo em dias quentes, quando o nitrato de amônio que elas contêm se dissolve na água, no interior da compressa. A própria vida parece ir contra a segunda lei. Cada célula de um organismo vivo é extraordinariamente organizada. Milhares de compostos diferentes, cada um com uma função específica a realizar, movem-se na coreografia intrincadamente organizada que é a vida. Como as moléculas em nossos corpos puderam formar essas estruturas complexas, altamente organizadas, a partir de lodo, lama ou gás? Nossa existência parece, à primeira vista, contradizer a segunda lei da termodinâmica.

O dilema resolve-se quando se percebe que a segunda lei refere-se somente aos sistemas isolados. Para interpretar a segunda lei corretamente, qualquer sistema precisa ser tratado como parte de um sistema isolado mais amplo, que inclui a vizinhança do sistema de interesse. Somente se a variação de entropia total, a soma das variações do sistema e da vizinhança, for positiva é que o processo é espontâneo.

A variação de entropia da vizinhança

O sistema em si e sua vizinhança constituem o sistema isolado ao qual a segunda lei se refere. Só quando a variação de entropia total, ΔStot\Delta S_\mathrm{tot}, for positiva, o processo será espontâneo: ΔStot=ΔS+ΔSviz \Delta S_\mathrm{tot} = \Delta S + \Delta S_\mathrm{viz} em que ΔS\Delta S é a variação de entropia do sistema e ΔSviz\Delta S_\mathrm{viz} é a variação de entropia da vizinhança. Um ponto crucial é que um processo no qual ΔS\Delta S é negativo pode passar a ser espontâneo desde que a entropia da vizinhança aumente de tal maneira que ΔStot\Delta S_\mathrm{tot} torne-se positiva.

É fácil predizer o sinal da variação da entropia da vizinhança: basta observar se a reação é exotérmica ou endotérmica. Se o processo é exotérmico, calor é liberado para a vizinhança e sua entropia aumenta (ΔSviz>0\Delta S_\mathrm{viz} > 0). Se o processo é endotérmico, calor deixa a vizinhança e sua entropia diminui (ΔSviz<0\Delta S_\mathrm{viz} < 0). Para calcular o valor numérico da mudança os seguintes pontos devem ser observados:

  1. Como a vizinhança é sempre considerada grande, sua temperatura permanece constante, independentemente de quanta energia é transferida dela, ou para ela, na forma de calor, logo, é sempre possível usar a expressão na forma ΔSviz=Qviz,rev/T\Delta S_\mathrm{viz} = Q_\mathrm{viz, rev}/T.
  2. O calor que deixa o sistema entra na vizinhança, Qviz=QQ_\mathrm{viz} = -Q.
  3. Para um sistema mantido em pressão constante, o calor que deixa o sistema pode ser igualado à variação de entalpia do sistema e, portanto, Q=ΔHQ = \Delta H e Qviz=ΔHQ_\mathrm{viz} = -\Delta H.
  4. Como a vizinhança é grande, qualquer transferência de calor para ela é tão pequena, de sua perspectiva, que pode ser vista como ocorrendo reversivelmente e, portanto, Qviz,rev=ΔHQ_\mathrm{viz, rev} = -\Delta H.

Disso resulta que, em pressão constante: ΔSviz=ΔHT \Delta S_\mathrm{viz} = - \dfrac{ \Delta H }{ T } Como ΔH\Delta H é uma função de estado, a Eq. 3B.3.2 pode ser usada se o processo é reversível ou irreversível.

A variação de entropia da vizinhança em um processo que ocorre em pressão e temperatura constantes é igual a ΔH/T-\Delta H/T.

A variação de total entropia

Como salientado, para usar a entropia na avaliação da direção da mudança espontânea, você precisa considerar as variações de entropia do sistema e da vizinhança:

  • Se ΔStot\Delta S_\mathrm{tot} é positivo, o processo é espontâneo.
  • Se ΔStot\Delta S_\mathrm{tot} é negativo, o processo inverso é espontâneo.
  • Se ΔStot\Delta S_\mathrm{tot} é zero, o processo não tende à direção alguma.
Exemplo 3B.3.1
Cálculo da variação de entropia total de uma reação

O brilho branco muito claro observado na queima de fogos de artifício é resultado da combustão do magnésio no ar em temperatura alta. 2Mg(s)+OX2(g)2MgO(s) \ce{ 2 Mg(s) + O2(g) -> 2 MgO(s) } Em que ΔH=1200 kJmol1\Delta H = \pu{-1200 kJ.mol-1} e ΔS=200 JK1mol1\Delta S = \pu{-200 J.K-1.mol-1}.

Verifique se a reação é espontânea em 27 °C\pu{27 \degree C}.

Etapa 1. Calcule a variação de entropia da vizinhança.

De ΔSviz=ΔH/T\Delta S_\mathrm{viz} = -\Delta H/T ΔSviz=(1200 kJmol1)300 K=+4000 JK1mol1 \Delta S_\mathrm{viz} = -\dfrac{ (\pu{-1200 kJ.mol-1}) }{ \pu{300 K} } = \pu{+4000 J.K-1.mol-1}

Etapa 2. Calcule a variação total de entropia.

De ΔStot=ΔS+ΔSviz\Delta S_\mathrm{tot} = \Delta S + \Delta S_\mathrm{viz} ΔStot={(200)+(+4000)}JKmol=+3800 JK1mol1 \begin{aligned} \Delta S_\mathrm{tot} &= \Big\{ (\pu{-200}) + (\pu{+4000}) \Big\}\,\pu{J//K.mol} \\ &= \fancyboxed{ \pu{+3800 J.K-1.mol-1} } \end{aligned} Como ΔStot\Delta S_\mathrm{tot} é positivo, a reação é espontânea nessa temperatura mesmo com a entropia do sistema diminuindo.

Um processo é espontâneo se ele é acompanhado pelo aumento de entropia do universo.

O equilíbrio

Um sistema em equilíbrio não tende a mudar em direção alguma (direta ou inversa). Ele permanecerá nesse estado até ser perturbado por mudanças de condições, como o aumento de temperatura, a diminuição do volume ou a adição de mais reagentes. O estado de equilíbrio em química é o equilíbrio dinâmico, no qual os processos diretos e inversos continuam a ocorrer, porém sua velocidade é a mesma.

  • Quando um bloco de metal está na mesma temperatura que sua vizinhança, ele está em equilíbrio térmico com ela. A energia continua a fluir em ambas as direções, mas não há uma transferência líquida.
  • Quando um gás confinado em um cilindro por um pistão tem pressão igual à de sua vizinhança, o sistema está em equilíbrio mecânico com a vizinhança e o gás não tende a se expandir ou a contrair. A pressão interna empurra o pistão para fora, mas a pressão externa empurra o pistão para dentro, exatamente da mesma maneira, e não há mudança líquida de posição.
  • Quando uma reação química atinge uma certa composição, ela parece deter-se. A mistura de substâncias em equilíbrio químico não tende a formar mais produtos nem a voltar aos reagentes. Em equilíbrio, os reagentes continuam a formar produtos, mas os produtos se decompõem em reagentes com velocidade exatamente igual e não há mudança discernível de composição.

A característica comum de qualquer tipo de equilíbrio dinâmico é a continuação dos processos no nível microscópico sem que haja tendência discernível do sistema de mudar na direção direta ou inversa. Isso significa que nem o processo direto nem o inverso são espontâneos: No equilıˊbrio: ΔStot=0 \fancyboxed{ \text{No equilíbrio: }\quad \Delta S_\mathrm{tot} = 0 }

Como a entropia é uma função de estado, o valor de ΔS\Delta S, a variação de entropia do sistema, é o mesmo, independentemente de o processo ser reversível ou irreversível. Contudo, os dois caminhos têm valores diferentes de ΔStot\Delta S_\mathrm{tot}. Por exemplo, a expansão isotérmica de um gás ideal sempre resulta na mesma variação de entropia do sistema, entretanto, a variação de entropia da vizinhança é diferente para os caminhos reversível e irreversível, porque a vizinhança fica em estados diferentes em cada caso.

O critério geral para o equilíbrio em termodinâmica é ΔStot=0\Delta S_\mathrm{tot} = 0.