Um dos problemas com o uso da segunda lei da termodinâmica para verificar se uma reação é espontânea é que, para avaliar a variação de entropia total, a variação de entropia do sistema e a variação de entropia da vizinhança precisam ser calculadas e somadas. Grande parte desse trabalho poderia ser evitada se uma única propriedade reunisse os cálculos de entropia do sistema e da vizinhança. Mas é possível simplificar empregando a energia livre de Gibbs, uma função de estado nova que é, provavelmente, a propriedade mais usada e mais útil nas aplicações da termodinâmica em química.

A energia livre e a espontaneidade

A função de estado que permite medir a espontaneidade de processos que ocorrem em pressão e temperatura constantes é chamada de energia livre de Gibbs, G.G. A energia livre é definida como: Definic¸a˜o de energia livre de Gibbs:G=HTS \fancyboxed{ \text{Definição de energia livre de Gibbs:}\quad G = H - TS } em que HH, TT e SS são a entalpia, a temperatura e a entropia do sistema. A energia livre de Gibbs é uma função de estado porque, HH, TT e SS são funções de estado. Uma consequência dessa definição é que a variação da energia livre de um sistema é igual à variação total de entropia.

Demonstração 3C.1.1
Variação de entropia total de um processo em temperatura e pressão constante

Em temperatura constante, a variação de energia livre é: ΔG=ΔHTΔS \Delta G = \Delta H - T \Delta S A variação total de entropia, ΔStot\Delta S_\mathrm{tot}, é a soma das variações no sistema, ΔS\Delta S, e sua vizinhança, ΔSviz.\Delta S_\mathrm{viz}. Em um processo em temperatura e pressão constantes, a variação de entropia da vizinhança é dada por ΔSviz=ΔH/T\Delta S_\mathrm{viz} = -\Delta H/T. Portanto, ΔStot=ΔS+ΔSviz=ΔSΔHT=ΔGT \Delta S_\mathrm{tot} = \Delta S + \Delta S_\mathrm{viz} = \Delta S - \dfrac{ \Delta H }{T} = - \dfrac{ \Delta G }{T}

Vemos que, em pressão e temperatura constante, ΔG=TΔStot \Delta G = - T \Delta S_\mathrm{tot} Em que ΔStot\Delta S_\mathrm{tot} é a variação total de entropia.

O que esta equação revela?
  • Em temperatura e pressão constantes, uma diminuição da energia livre de Gibbs corresponde a um aumento na entropia total.
  • Em temperatura e pressão constantes, a direção da mudança espontânea é a direção da diminuição da energia livre de Gibbs.
  • Uma condição que pode levar a um ΔG\Delta G negativo é um grande valor negativo de ΔH\Delta H, como em uma reação de combustão. Um grande valor negativo de ΔH\Delta H corresponde a um grande aumento de entropia da vizinhança.
  • Um valor negativo de ΔG\Delta G pode ocorrer mesmo se ΔH\Delta H for positivo, quando TΔST\Delta S é grande e positivo. Neste caso, a força condutora da reação, a origem da espontaneidade, é o aumento de entropia do sistema.

A grande importância da introdução da energia livre de Gibbs é que, se a pressão e a temperatura permanecem constantes, é possível predizer se um processo é espontâneo somente em termos das propriedades termodinâmicas do sistema.

Exemplo 3C.1.1
Determinação da espontaneidade de um processo

Verifique se a fusão da água é espontânea a 10 °C\pu{10 \degree C}.

  • ΔHfus(HX2O)=6 kJmol\Delta H_\mathrm{fus}(\ce{H2O}) = \pu{6 kJ//mol}
  • ΔSfus(HX2O)=22 JKmol\Delta S_\mathrm{fus}(\ce{H2O}) = \pu{22 J//K.mol}
Etapa 2. Calcule a energia livre de fusão da água.

De ΔG=ΔHTΔS,\Delta G = \Delta H - T \Delta S, ΔGfus=(6 kJmol)+(283 K)×(22103 kJKmol)=0,22 kJmol1 \begin{aligned} \Delta G_\mathrm{fus} &= (\pu{6 kJ//mol}) + (\pu{283 K}) \times (\pu{22e-3 kJ//K.mol}) \\ &= \fancyboxed{ \pu{-0,22 kJ.mol-1} } \end{aligned}

A variação de energia livre de Gibbs é negativa em 10 °C\pu{10 \degree C}, como esperado, já que a fusão é espontânea nessa temperatura.

A variação de energia livre de Gibbs de um processo é uma medida da variação da entropia total de um sistema e sua vizinhança quando a temperatura e a pressão são constantes. Os processos espontâneos, em temperatura e pressão constantes, são acompanhados pela diminuição da energia livre de Gibbs.

A energia livre e o equilíbrio

O critério geral do equilíbrio é ΔStot=0\Delta S_\mathrm{tot} = 0. Da Eq. 3C.1.2, resulta que, para um processo em temperatura e pressão constantes, a condição do equilíbrio é Equilıˊbrio em P e T constantes:ΔG=0 \fancyboxed{ \text{Equilíbrio em $P$ e $T$ constantes:}\quad \Delta G = 0 } Se ΔG=0\Delta G = 0 para o processo, então fica claro que o sistema está em equilíbrio. Por exemplo, quando gelo e água estão em equilíbrio em uma determinada temperatura e pressão, sabemos que a energia livre de 1 mol\pu{1 mol} de HX2O(l)\ce{H2O(l)} deve ser igual à energia livre de 1 mol\pu{1 mol} de HX2O(s)\ce{H2O(s)}. Em outras palavras, a energia livre molar de água em cada fase é a mesma.

Em pressão e temperatura constantes, a direção da mudança espontânea é a diminuição da energia livre. O eixo horizontal representa a evolução da reação ou do processo. O estado de equilíbrio de um sistema corresponde ao ponto mais baixo na curva.
Figura 3C.1.1

O critério para o equilíbrio em pressão e temperatura constantes é ΔG=0.\Delta G = 0.