Os mesmos princípios usados para discutir as variações de entalpia em processos físicos são válidos para as transformações químicas. As entalpias das reações químicas são importantes em muitas áreas da química, como a seleção de materiais para bons combustíveis, o projeto de instalações químicas e o estudo dos processos bioquímicos. Em muitos casos, é importante conhecer a capacidade de uma reação de produzir calor (como na queima de um combustível).
A entalpia de reação
Qualquer reação química é acompanhada por transferência de energia, comumente na forma de calor. A reação completa com o oxigênio, por exemplo, é chamada de combustão, como na combustão do metano, o componente principal do gás natural. A calorimetria mostra que a queima de 1mol de CHX4(g) produz 890kJ de calor em 298K e 1bar. Esse valor é expresso da seguinte forma: CHX4(g)+2OX2(g)COX2(g)+2HX2O(l)ΔH=−890kJ Essa expressão completa é uma equação termoquímica e consiste em uma equação química associada à expressão da entalpia de reação, isto é, a variação de entalpia do processo correspondente. Os coeficientes estequiométricos indicam o número de mols de cada reagente que dá a variação de entalpia registrada. No caso apresentado, a variação de entalpia é a que resulta da reação completa de 1mol de CHX4 e 2mol de OX2. Se a mesma reação for escrita com todos os coeficientes dobrados, então a variação de entalpia seria duas vezes maior, porque a equação representaria a combustão do dobro da quantidade de metano: 2CHX4(g)+4OX2(g)2COX2(g)+4HX2O(l)ΔH=−1790kJ Observe que, embora a queima ocorra em temperaturas elevadas, o valor de ΔH dado aqui é determinado pela diferença de entalpia entre produtos e reagentes, medida em 298K.
A primeira lei da termodinâmica diz que, como a entalpia é uma função de estado, a variação de entalpia do processo inverso (uma reação química, por exemplo) é o negativo da variação de entalpia do processo direto. Para a reação inversa: COX2(g)+2HX2O(l)CHX4(g)+2OX2(g)ΔH=+890kJ
Exemplo 3A.3.1
Cálculo da entalpia de reação a partir de dados calorimétricos em pressão constante
Uma amostra de 0,117g de benzeno, CX6HX6, foi queimada com excesso de oxigênio em um calorímetro de pressão constante calibrado cuja capacidade calorífica é 600J⋅K−1. A temperatura do calorímetro aumentou 8°C.
Calcule a entalpia de combustão do benzeno.
Etapa 2.
Escreva a reação de combustão do benzeno.
CX6HX6(l)+215OX2(g)12COX2(g)+6HX2O(l)
Etapa 3.
Calcule o calor transferido para o calorímetro.
De q=−Qcal=−CcalΔTq=−(600KJ)×(8K)=−4,8kJ
Etapa 4.
Calcule a quantidade de benzeno que reagiu.
De n=m/Mn=78molg0,117g=1,5mmol
Etapa 5.
Calcule a entalpia de combustão por mol.
ΔH=−1,5mmol−4,8kJ=−3,2MJ⋅mol−1 A variação na entalpia é negativa, o que é esperado dado que as reações de combustão são exotérmicas.
A relação entre entalpia e energia de reação
Um calorímetro de pressão constante e um calorímetro de bomba medem variações de funções de estado diferentes: em volume constante, a transferência de calor é interpretada como ΔU e, em pressão constante, como ΔH. Pode vir a ser necessário converter o valor medido de ΔU em ΔH. Por exemplo, é fácil medir o calor liberado pela combustão da glicose em um calorímetro de bomba, que tem volume constante, mas para usar essa informação no cálculo de variações de energia no metabolismo, que ocorre em pressão constante, é necessário usar a entalpia de reação.
No caso de reações em que gases não são produzidos nem consumidos, a diferença entre ΔH e ΔU é desprezível e podemos considerar ΔH≈ΔU. Entretanto, se um gás é formado na reação, muito trabalho é realizado para dar lugar aos produtos gasosos, de modo que a diferença pode ser significativa. Uma vez mais, se os gases se comportam idealmente, a lei dos gases ideais pode ser usada para relacionar os valores de ΔH e ΔU.
Demonstração 3A.3.1
Relação entre ΔH e ΔU
Suponha que a quantidade de molécula de gás ideal nos reagentes seja ngaˊs,1. A entalpia inicial é: H1=U1+P1V1=U1+ngaˊs,1RT Depois que a reação se completou, a quantidade de moléculas de gás ideal produzidas é ngaˊs,2. A entalpia final é: H2=U2+P2V2=U2+ngaˊs,2RT A diferença é: ΔH=ΔU+(ngaˊs,2−ngaˊs,1)RT
Concluímos que: ΔH=ΔU+ΔngaˊsRT em que Δngaˊs é a variação da quantidade de moléculas de gás na reação.
O que esta equação revela?
Menos energia pode ser obtida na forma de calor sob pressão constante do que em volume constante, porque o sistema tem de usar energia para expandir o volume e acomodar os gases produzidos.
Exemplo 3A.3.2
Cálculo da entalpia de reação a partir de dados calorimétricos em volume constante
Uma amostra de 1mmol de glicose, CX6HX12OX6, foi queimada com excesso de oxigênio em um calorímetro de volume constante. A reação gerou 2,6kJ de calor em 400K.
Calcule a entalpia de combustão da glicose.
Etapa 2.
Escreva a reação de combustão da glicose.
CX6HX12OX6(s)+6OX2(g)6COX2(g)+6HX2O(g)
Etapa 3.
Calcule a energia interna de combustão por mol.
ΔU=−1mmol−2,6J=−2600kJ⋅mol−1
Etapa 4.
Calcule a variação no número de mols de gás por mol de reação.
Δngaˊs=12−6=6
Etapa 5.
Calcule a entalpia de combustão por mol.
De ΔH=ΔU+ΔngaˊsRTΔH=(−2600molkJ)+6×(8,3⋅10−3K⋅molkJ)×(400K)=−2585kJ⋅mol−1
As entalpias padrão de reação
Como o calor liberado ou absorvido em uma reação depende dos estados físicos dos reagentes e produtos, é necessário especificar o estado de cada substância. Por exemplo, ao descrever a combustão do eteno, podemos escrever duas equações termoquímicas diferentes para dois conjuntos diferentes de produtos: CX2HX4(g)+3OX2(g)CX2HX4(g)+3OX2(g)2COX2(g)+2HX2O(g)2COX2(g)+2HX2O(l)ΔH=−1323kJΔH=−1411kJ Na primeira reação, a água é produzida como vapor, e na segunda, como líquido. O calor produzido é diferente nos dois casos. A entalpia do vapor de água é 44kJ⋅mol−1 maior do que a da água líquida, em 25°C. Como resultado, um excesso de 88kJ⋅mol−1 permanece armazenado no sistema se vapor de água é formado.
A entalpia de reação depende também das condições (como a pressão). A entalpia padrão de reação, ΔH∘, é a entalpia de reação quando os reagentes, em seus estados padrão, isto é, na sua forma pura, em exatamente 1bar, transformam-se em produtos, também em seus estados padrão. A maior parte dos dados termodinâmicos é registrada para 298K, A temperatura não faz parte da definição dos estados padrão. Um estado padrão pode ser definido em qualquer temperatura.
Um tipo especial de reação que desempenha um papel importante na termodinâmica, assim como no mundo real, é a combustão. Conhecer o calor que pode ser obtido com a queima de um combustível é importante na avaliação de fontes de energia. A entalpia padrão de combustão, ΔHc∘, é a variação da entalpia por mol de uma substância queimada em uma reação de combustão em condições padrão.
Exemplo 3A.3.3
Cálculo do calor liberado por um combustível
Calcule a massa de oxigênio necessária para fornecer 330kJ de calor por combustão com butano.
ΔHc(CX4HX10)=−2860kJ⋅mol−1
Etapa 2.
Escreva a reação de combustão do butano.
CX4HX10(g)+213OX2(g)8COX2(g)+10HX2O(l)
Etapa 3.
Converta o calor liberado necessário na quantidade de oxigênio.
n=213×2860molkJ330kJ=0,75mol
Etapa 4.
Converta a quantidade de oxigênio em massa.
De m=nMm=0,75mol×32g⋅mol−1=24g
O calor absorvido ou liberado por uma reação pode ser tratado como um reagente ou um produto em um cálculo estequiométrico.
A Lei de Hess
A entalpia é uma função de estado, logo, o valor de ΔH é independente do caminho entre os estados inicial e final. Vimos que a variação de entalpia pode ser expressa como a soma das variações de entalpia de uma série de etapas. O mesmo aplica-se a reações químicas e, nesse contexto, ela é conhecida como lei de Hess:
A entalpia total da reação é a soma das entalpias de reação das etapas em que a reação pode ser dividida.
A lei de Hess aplica-se mesmo que as reações intermediárias ou a reação total não possam ser realizadas na prática. Isto é, elas podem ser hipotéticas. Conhecidas as equações balanceadas de cada etapa e sabendo que a soma dessas equações é igual à equação da reação de interesse, a entalpia de reação pode ser calculada a partir de qualquer sequência conveniente de reações.
Como exemplo da lei de Hess, considere a oxidação do carbono, na forma de grafita, representado por C(gr), a dióxido de carbono C(gr)+OX2(g)COX2(g) Pode-se imaginar que essa reação aconteça em duas etapas: a oxidação do carbono a monóxido de carbono, seguida da oxidação do monóxido de carbono a dióxido de carbono. A equação da reação total é a soma das equações das etapas intermediárias: C(gr)+21OX2(g)CO(g)+21OX2(g)C(gr)+OX2(g)CO(g)COX2(g)COX2(g)ΔH=−110kJΔH=−280kJΔH=−390kJ
Exemplo 3A.3.4
Cálculo da entalpia de reação usando a lei de Hess
A gasolina, que contém octano, pode queimar até monóxido de carbono se o fornecimento de ar for reduzido.
Calcule a entalpia de combustão incompleta do octano líquido formando monóxido de carbono e água líquida.
ΔHc∘(CX8HX18,l)=−5,5molMJ
ΔHc∘(CO,g)=−280molkJ
Etapa 2.
Escreva a reação de interesse como uma composição das reações fornecidas.
Equações termoquímicas podem ser combinadas para dar a equação termoquímica da reação total.
As entalpias padrão de formação
Existem milhões de reações possíveis, e seria impraticável listar cada uma com sua entalpia padrão de reação. Os químicos, porém, inventaram uma alternativa engenhosa. Inicialmente, eles registram a entalpia padrão de formação das substâncias. Depois, combinam essas quantidades para obter a entalpia da reação desejada.
A entalpia padrão de formação, ΔHf∘, de uma substância é a entalpia padrão da reação por mol de fórmula unitária da formação de uma substância a partir de seus elementos na sua forma mais estável, como na reação de formação do etanol: 2C(gr)+3HX2(g)+21OX2(g)CX2HX5OH(l)ΔH∘=−278kJ em que C(gr) significa grafita, a forma mais estável do carbono na temperatura normal. A equação química que corresponde à entalpia padrão de formação de uma substância tem um só produto com o coeficiente estequiométrico igual a 1 (o que implica a formação de 1mol de substância). Algumas vezes, como aqui, coeficientes fracionários são necessários para os reagentes. Como as entalpias padrão de formação são expressas em quilojoules por mol da substância de interesse, neste caso ΔHf∘(CX2HX5OH,l)=−278kJ⋅mol−1. Observe também como a variação da entalpia é informada, de maneira que uma espécie e seu estado (líquido, neste caso) sejam representadas na forma correta.
A partir da definição anterior, temos que a entalpia padrão de formação de um elemento na sua forma mais estável é zero. Por exemplo, a entalpia padrão de formação de C(gr) é zero porque C(gr)C(gr) é uma reação vazia (isto é, nada muda). Neste caso, ΔHf∘(C,gr)=0. A entalpia de formação de um elemento em uma forma que não é a mais estável, entretanto, é diferente de zero. Por exemplo, a conversão do carbono da grafita (a forma mais estável) em diamante é endotérmica: C(gr)C(diamante)ΔH∘=+1,9kJ A entalpia padrão de formação do diamante é, portanto, registrada como ΔHf∘(C,diamante)=+1,9kJ⋅mol−1.
Tabela 3A.3.1
Formas mais estáveis dos elementos a 25°C e 1bar
Elemento
Forma mais estável
HX2,OX2,ClX2,Xe
Gás
BrX2,Hg
Líquido
C
Grafite
Na,Fe,IX2
Sólido
Para saber como combinar entalpias padrão de formação a fim de obter uma entalpia padrão de reação, imagine que, para executar a reação, os reagentes são antes convertidos nos elementos em suas formas mais estáveis e, depois, os produtos são formados a partir desses elementos. A entalpia padrão de reação da primeira etapa é o valor negativo das entalpias padrão de formação de todos os reagentes (os reagentes estão sendo decompostos em seus elementos constituintes), e da segunda etapa é a soma das entalpias padrão de formação de todos os produtos, ambas em função da quantidade presente: ΔH∘=produtos∑nΔHf∘−reagentes∑nΔHf∘ Nessa expressão, os valores de n são os coeficientes estequiométricos da equação química.
Exemplo 3A.3.5
Cálculo da entalpia padrão de reação a partir das entalpias padrão de formação
A produção de aço a partir do minério de ferro é representada pela reação: 2FeX2OX3(s)+3C(s)4Fe(s)+3COX2(g)Calcule a entalpia padrão de redução do óxido de ferro.
ΔHf∘(FeX2OX3,s)=−824molkJ
ΔHf∘(COX2,g)=−394molkJ
Etapa 2.
Calcule a entalpia padrão de reação.
De ΔHr∘=∑produtosnΔHf∘−∑reagentesnΔHf∘ΔHr∘=3ΔHf,COX2(g)∘−2ΔHf,FeX2OX3(s)∘ logo, ΔHr∘={3(−394)−2(−824)}molkJ=+466kJ⋅mol−1
As entalpias padrão de formação podem ser combinadas para dar a entalpia padrão de qualquer reação.
A entalpia de reação e a temperatura
Em alguns casos, você conhece a entalpia de reação de uma temperatura mas precisa do valor para outra temperatura. As entalpias dos reagentes e produtos aumentam com a temperatura. Se a entalpia total dos reagentes aumenta mais do que a dos produtos quando a temperatura se eleva, então a entalpia de reação de uma reação exotérmica fica mais negativa, como na Fig. 3A.3.1. Por outro lado, se a entalpia dos produtos aumenta mais do que a dos reagentes quando a temperatura se eleva, então a entalpia de reação fica menos negativa. O aumento de entalpia de uma substância quando a temperatura cresce depende de sua capacidade calorífica sob pressão constante, CP=ΔH/ΔT.
Para calcular a entalpia de reação em uma temperatura diferente, podemos aproveitar o fato de que a entalpia é função de estado para propor um caminho alternativo:
Levar os reagentes da temperatura de interesse até 298K.
Conduzir a reação em 298K.
Levar os produtos de 298K até a temperatura de interesse.
Como os estados inicial e final são os reagentes e produtos na temperatura de interesse, esse processo possui a mesma variação de entalpia do que a reação na temperatura de interesse, temos: Lei de Kirchhoff:ΔHT2∘=ΔHT1∘+(T2−T1)×ΔCP em que ΔCP é a diferença entre as capacidades caloríficas em pressão constante dos produtos e reagentes: ΔCP=produtos∑nCP−reagentes∑nCP
Exemplo 3A.3.6
Cálculo da entalpia de reação em uma temperatura diferente
A entalpia padrão de formação da amônia, NX2(g)+3HX2(g)2NHX3(g) é −92kJ⋅mol−1 em 298K.
Calcule a entalpia de síntese de amônia a 425°C.
CP(NX2,g)=29K⋅molJ
CP(HX2,g)=28K⋅molJ
CP(NHX3,g)=35K⋅molJ
Etapa 2.
Calcule ΔCP.
De ΔCP=∑produtosnCP−∑reagentesnCP,ΔCP=2CP,NHX3−CP,NX2−3CP,HX2 logo, ΔCP={2(35)−(29)−3(28)}K⋅molJ=−43J⋅K−1⋅mol−1
Etapa 3.
Calcule a entalpia de reação 425°C.
De ΔHT2∘=ΔHT1∘+(T2−T1)×ΔCP,ΔH425°C∘=(−92molkJ)+(400K)×(−43K⋅molJ)=−102kJ⋅mol−1
Como a diferença entre ΔHT2∘ e ΔHT1∘ depende da diferença das capacidades caloríficas dos reagentes e produtos — uma diferença que normalmente é pequena — na maior parte dos casos, a entalpia de reação varia muito pouco com a temperatura e, para pequenas diferenças de temperatura, pode ser tratada como constante.
A variação da entalpia padrão de reação com a temperatura é dada pela lei de Kirchhoff.