Quando os químicos começaram a estudar quantitativamente as propriedades das soluções, eles descobriram que algumas delas dependem somente das quantidades relativas de soluto e solvente. Elas são independentes da identidade química do soluto. As propriedades desse tipo são chamadas de propriedades coligativas. As três propriedades coligativas que estudaremos neste tópico são:

  • O aumento do ponto de ebulição.
  • A redução do ponto de congelamento.
  • A osmose.

As três envolvem o equilíbrio entre duas fases de um solvente entre duas soluções de diferentes concentrações.

A elevação do ponto de ebulição

A Fig. 3E.1.1 mostra como as energias livres de Gibbs molares das fases líquido e vapor de um solvente puro variam com a temperatura. O gráfico representa a equação Gm=HmTSmG_\mathrm{m} = H_\mathrm{m} - T S_\mathrm{m}, tratando HmH_\mathrm{m} e SmS_\mathrm{m} como constantes:

A energia livre de Gibbs molar de um líquido e de seu vapor decrescem com o aumento da temperatura, mas a do vapor decresce mais rapidamente. O vapor é a fase mais estável em temperaturas mais altas do que o ponto de interseção das duas linhas (o ponto de ebulição). Quando um soluto não volátil está presente, a energia livre molar do solvente é abaixada (um efeito da entropia), mas a do vapor permanece inalterada. O ponto de interseção das duas linhas move‑se para uma temperatura ligeiramente mais alta.
Figura 3E.1.1
  • Em temperaturas baixas, GmHmG_\mathrm{m} \approx H_\mathrm{m}, logo a linha que representa GmG_\mathrm{m} do vapor fica bem acima da linha do líquido porque a entalpia molar de um vapor é consideravelmente maior do que a de um líquido.
  • A inclinação da linha é Sm-S_\mathrm{m}. Como a entropia molar do vapor é muito maior do que a do líquido, a inclinação da linha do vapor cai mais rapidamente do que a do líquido.

A presença de um soluto na fase líquida do solvente aumenta a entropia do soluto e, portanto, abaixa a energia livre de Gibbs. Como mostra a Fig. 3E.1.1, as linhas que representam as energias livres da solução líquida e do vapor cruzam-se em uma temperatura mais alta do que no caso do solvente puro. O resultado é que o ponto de ebulição é maior na presença do soluto.

Este aumento é chamado de elevação do ponto de ebulição e normalmente é muito pequeno. A elevação do ponto de ebulição de uma solução ideal é proporcional à molalidade do soluto. Para uma solução de um não eletrólito, a elevação do ponto de ebulição é: ΔTeb=keb×w \fancyboxed{ \Delta T_\mathrm{eb} = k_\mathrm{eb} \times w } Em que ww é a molalidade da solução e kebk_\mathrm{eb} é chamada de constante do ponto de ebulição do solvente. Esta constante é diferente para cada solvente (Tab. 3E.1.1) e é dada por: keb=RMTeb2ΔHvap k_\mathrm{eb} = \dfrac{ R M T_\mathrm{eb}^2 }{ \Delta H_\mathrm{vap}^\circ } Em que RR é a constante dos gases, MM é a massa molar do solvente, TebT_\mathrm{eb} é a temperatura de ebulição do solvente e ΔHvap\Delta H_\mathrm{vap}^\circ é a entalpia de vaporização do solvente.

Exemplo 3E.1.1
Cálculo do ponto de ebulição de uma solução de soluto não volátil

Considere uma solução 0,1 molkg1\pu{0,1 mol.kg-1} em sacarose, CX11HX22OX11\ce{C11H22O11}.

Calcule o ponto de ebulição da solução.

  • kb(HX2O)=0,51 Kkgmol1k_\mathrm{b}(\ce{H2O}) = \pu{0,51 K.kg.mol-1}
Etapa 2. Calcule a elevação do ponto de ebulição.

De ΔTb=kb×w\Delta T_\mathrm{b} = k_\mathrm{b} \times w ΔTb=(0,51 Kkgmol)×(0,1 molkg)=0,05 K \Delta T_\mathrm{b} = (\pu{0,51 K.kg//mol}) \times (\pu{0,1 mol//kg}) = \pu{0,05 K}

Etapa 3. Calcule o ponto de ebulição.

O ponto de ebulição da água pura é 100 °C\pu{100 \degree C} a 1 atm\pu{1 atm}, logo, Tf=100 °C+0,05 °C=100,05 °C T_\mathrm{f} = \pu{100 \degree C} + \pu{0,05 \degree C} = \fancyboxed{ \pu{100,05 \degree C} } A elevação do ponto de ebulição é muito pequena.

A presença de um soluto não volátil aumenta o ponto de ebulição da solução.

O abaixamento do ponto de congelamento

A Fig. 3E.1.2 mostra a variação com a temperatura das energias livres de Gibbs molares padrão das fases líquido e sólido de um solvente puro. A explicação da aparência das linhas é semelhante à do líquido e seu vapor, mas as diferenças e inclinações são menos pronunciadas:

A energia livre de Gibbs molar de um sólido e de sua fase líquida diminuem quando a temperatura cresce, mas a do líquido diminui um pouco mais rapidamente. O vapor é a fase mais estável em temperaturas mais altas do que o ponto de interseção das duas linhas. Quando um soluto está presente, a energia livre molar do solvente é abaixada (um efeito da entropia), mas a do vapor permanece inalterada. O ponto de interseção das linhas move‑se para uma temperatura mais baixa.
Figura 3E.1.2

As linhas que representam as energias livres de Gibbs molares das fases líquido e sólido do solvente cruzam-se em uma temperatura mais baixa do que no solvente puro e, assim, o ponto de congelamento é mais baixo na presença do soluto.

O abaixamento do ponto de congelamento, isto é, a diminuição do ponto de congelamento do solvente causada pelo soluto é mais significativa do que a elevação do ponto de ebulição. Por exemplo, a água do mar congela 1 °C\pu{1 \degree C} abaixo da água pura, aproximadamente. As pessoas que vivem em regiões em que o inverno é frio utilizam o abaixamento do ponto de congelamento quando espalham sal nas rodovias e calçadas para fundir o gelo. O sal abaixa o ponto de congelamento da água ao formar uma solução salina.

No laboratório, os químicos usam esse efeito para avaliar o grau de pureza de um composto sólido: se o composto estiver impuro, seu ponto de fusão é mais baixo do que o valor registrado na literatura.

O abaixamento do ponto de congelamento de uma solução ideal é proporcional à molalidade, ww, do soluto. Para uma solução de um não eletrólito, o abaixamento do ponto de congelamento é: ΔTcong=kcong×w \fancyboxed{ \Delta T_\mathrm{cong} = k_\mathrm{cong} \times w } Em que ww é a molalidade da solução e kcongk_\mathrm{cong} é a constante do ponto de congelamento do solvente. Esta constante é diferente para cada solvente (Tab. 3E.1.1) e é dada por: kcong=RMTcong2ΔHfus k_\mathrm{cong} = \dfrac{ R M T_\mathrm{cong}^2 }{ \Delta H_\mathrm{fus}^\circ } Em que RR é a constante dos gases, MM é a massa molar do solvente, TfusT_\mathrm{fus} é a temperatura de ebulição do solvente e ΔHvap\Delta H_\mathrm{vap}^\circ é a entalpia de fusão do solvente.

Tabela 3E.1.1
Constantes do ponto de ebulição e congelamento
Tcong/°CT_\mathrm{cong}/\pu{\degree C}kcong/Kkgmolk_\mathrm{cong}/\pu{K.kg//mol}Teb/°CT_\mathrm{eb}/\pu{\degree C}keb/Kkgmolk_\mathrm{eb}/\pu{K.kg//mol}
Acetona95\pu{-95}2,40\pu{2,40}56\pu{56}1,71\pu{1,71}
Benzeno5\pu{5}5,12\pu{5,12}80\pu{80}2,53\pu{2,53}
Cânfora180\pu{180}39,70\pu{39,70}204\pu{204}5,61\pu{5,61}
CClX4\ce{CCl4}23\pu{-23}29,80\pu{29,80}76\pu{76}4,95\pu{4,95}
Cicloexano6\pu{6}21,10\pu{21,10}81\pu{81}2,79\pu{2,79}
Naftaleno80\pu{80}6,94\pu{6,94}217\pu{217}5,80\pu{5,80}
Fenol43\pu{43}7,27\pu{7,27}182\pu{182}3,04\pu{3,04}
Água0\pu{0}1,86\pu{1,86}100\pu{100}0,51\pu{0,51}
Exemplo 3E.1.2
Cálculo do ponto de congelamento de uma solução de não eletrólito

Considere uma solução 0,2 molkg1\pu{0,2 mol.kg-1} de codeína, CX18HX21NOX3\ce{C18H21NO3}, em benzeno.

Calcule o ponto de congelamento da solução.

  • kcong(CX6HX6)=5,1 Kkgmol1k_\mathrm{cong}(\ce{C6H6}) = \pu{5,1 K.kg.mol-1}
  • Tcong(CX6HX6)=5,5 °CT_\mathrm{cong}(\ce{C6H6}) = \pu{5,5 \degree C}
Etapa 2. Calcule o abaixamento do ponto de congelamento.

De ΔTcong=kcong×w\Delta T_\mathrm{cong} = k_\mathrm{cong} \times w ΔTcong=(5,1 Kkgmol)×(0,2 molkg)=1 K \Delta T_\mathrm{cong} = (\pu{5,1 K.kg//mol}) \times (\pu{0,2 mol//kg}) = \pu{1 K}

Etapa 3. Calcule o ponto de congelamento.

O ponto de ebulição da água pura é 5,5 °C\pu{5,5 \degree C} a 1 atm\pu{1 atm}, logo, Tf=5,5 °C1 °C=4,5 °C T_\mathrm{f} = \pu{5,5 \degree C} - \pu{1 \degree C} = \fancyboxed{ \pu{4,5 \degree C} }

Diagrama de fases para uma substância antes e após a adição de um soluto. A linha tracejada mostra o efeito da adição do soluto, abaixando o ponto de congelamento e aumentando o ponto de ebulição.
Figura 3E.1.3

A presença de um soluto não volátil diminui o ponto de congelamento da solução.

O fator de van’t Hoff

Em uma solução de eletrólito, cada fórmula unitária contribui com dois ou mais íons. O cloreto de sódio, por exemplo, dissolve para dar íons NaX+\ce{Na^+} e ClX\ce{Cl^-}, e ambos contribuem para o abaixamento do ponto de congelamento: NaCl(aq)NaX+(aq)+ClX(aq) \ce{ NaCl(aq) -> Na^+(aq) + Cl^-(aq) } Em soluções muito diluídas, os cátions e ânions contribuem quase independentemente, logo a molalidade total do soluto é duas vezes a molalidade em termos das fórmulas unitárias de NaCl\ce{NaCl}. ΔTfus=kfus×wi \Delta T_\mathrm{fus} = k_\mathrm{fus} \times w i Aqui, ii, o fator ii de van’t Hoff, é determinado experimentalmente. Em soluções diluídas, i=2i = 2 para sais do tipo MX\ce{MX}, como NaCl\ce{NaCl}, e i=3i = 3 para sais do tipo MXX2\ce{MX2}, como CaClX2\ce{CaCl2}, e assim por diante. Para soluções diluídas de não eletrólitos, i=1i = 1.

Exemplo 3E.1.3
Cálculo do ponto de congelamento de uma solução de eletrólito forte

Considere solução 0,1 molkg1\pu{0,1 mol.kg-1} de cloreto de sódio, NaCl\ce{NaCl}.

Calcule o abaixamento do ponto de congelamento da solução.

  • kcong(HX2O)=1,8 Kkgmol1k_\mathrm{cong}(\ce{H2O}) = \pu{1,8 K.kg.mol-1}
Etapa 2. Determine o fator ii.

Como cada célula unitária de sulfato de sódio se dissocia em dois íons em solução (um íon sódio e um íon cloreto) o fator ii é igual a 22, supondo dissociação completa.

Etapa 3. Calcule o abaixamento do ponto de congelamento.

De ΔTcong=kcong×wi\Delta T_\mathrm{cong} = k_\mathrm{cong} \times w i ΔTcong=(1,8 Kkgmol)×(0,1 molkg)×2=0,36 K \Delta T_\mathrm{cong} = (\pu{1,8 K.kg//mol}) \times (\pu{0,1 mol//kg}) \times 2 = \fancyboxed{ \pu{0,36 K} }

O fator ii pode ser usado na determinação do grau de ionização de uma substância em solução. Por exemplo, em solução diluída, HCl\ce{HCl} tem um fator i=1i = 1 em tolueno e i=2i = 2 em água. Esses valores sugerem que HCl\ce{HCl} retém a forma molecular no tolueno, mas está totalmente desprotonado em água.

A força de um ácido fraco em água (a extensão em que é desprotonado) pode ser estimada dessa maneira. Em uma solução de um ácido fraco, HA,\ce{HA}, em água que está 10%10\% desprotonado (10%10\% das moléculas de ácido perderam seus prótons), cada molécula desprotonada produz dois íons: i=0,9+(2×0,1)=1,1 i = \pu{0,9} + (2\times \pu{0,1}) = \pu{1,1}

Exemplo 3E.1.4
Cálculo do grau de ionização de um ácido a partir do ponto de congelamento da solução

Uma solução aquosa 0,11 molkg1\pu{0,11 mol.kg-1} em ácido tricloroacético, CClX3COOH\ce{CCl3COOH}, congela em 0,38 °C\pu{-0,38 \degree C}.

Calcule o grau de ionização do ácido na solução.

  • kcong(HX2O)=1,8 Kkgmol1k_\mathrm{cong}(\ce{H2O}) = \pu{1,8 K.kg.mol-1}
Etapa 2. Calcule o abaixamento do ponto de congelamento.

O ponto de congelamento da água pura é 0 °C\pu{0 \degree C} a 1 atm\pu{1 atm}, logo, ΔTcong=0 °C(0,38 °C)=0,38 °C \Delta T_\mathrm{cong} = \pu{0 \degree C} - (\pu{-0,38 \degree C}) = \pu{0,38 \degree C}

Etapa 3. Calcule o fator ii.

De ΔTcong=kf×wi\Delta T_\mathrm{cong} = k_\mathrm{f} \times w i i=0,38 K(1,8 Kkgmol)×(0,11 molkg)=1,9 i = \dfrac{ \pu{-0,38 K} }{ (\pu{1,8 K.kg//mol}) \times (\pu{0,11 mol//kg}) } = \pu{1,9}

Etapa 4. Calcule grau de ionização, α\alpha.

De i=1+αi = 1 + \alpha α=i1=1,91=0,9 \alpha = i - 1 = \pu{1,9} - 1 = \fancyboxed{ \pu{0,9} } O ácido está 90%90\% ionizado em solução.

O fator ii de van’t Hoff é usado para considerar o efeito da dissociação de eletrólitos no cálculo da elevação do ponto de ebulição e do abaixamento do ponto de congelamento.

A crioscopia

A crioscopia é a determinação da massa molar de um soluto pela medida do abaixamento do ponto de congelamento que ele provoca quando está dissolvido em um solvente. A cânfora é frequentemente usada como solvente para compostos orgânicos porque tem constante de ponto de congelamento grande e, assim, os solutos provocam um significativo abaixamento do ponto de congelamento. Esse procedimento, porém, raramente é usado nos laboratórios modernos, porque técnicas como a espectrometria de massas dão resultados mais confiáveis.

Exemplo 3E.1.5
Cálculo da massa molar por crioscopia

A adição de 0,26 g\pu{0,26 g} de enxofre a 100 g\pu{100 g} de tetracloreto de carbono abaixa o ponto de congelamento do solvente em 0,3 °C\pu{0,3 \degree C}. O enxofre ocorre em sua forma molecular.

  1. Calcule a massa molar das moléculas de enxofre.
  2. Determine a fórmula molecular do enxofre.
  • kcong(CClX4)=30 Kkgmol1k_\mathrm{cong}(\ce{CCl4}) = \pu{30 K.kg.mol-1}
Etapa 2. Calcule a molalidade da solução.

De ΔTcong=kcong×wi\Delta T_\mathrm{cong} = k_\mathrm{cong} \times w i, com i=1i = 1 w=0,3 °K30 Kkgmol=0,01 molkg1 w = \dfrac{ \pu{0,3 \degree K} }{ \pu{30 K.kg//mol} } = \pu{0,01 mol.kg-1}

Etapa 3. Calcule a quantidade de soluto na amostra.

De nsoluto=w×msolventen_\mathrm{soluto} = w \times m_\mathrm{solvente} nSXx=(0,01 molkg1)×(0,1 kg)=1103 mol n_{\ce{S_x}} = (\pu{0,01 mol.kg-1}) \times (\pu{0,1 kg}) = \pu{1e-3 mol}

Etapa 4. Calcule a massa molar do soluto.

De M=n/mM = n/m MSXx=0,26 g1103 mol=260 gmol1 M_{\ce{S_x}} = \dfrac{ \pu{0,26 g} }{ \pu{1e-3 mol} } = \fancyboxed{ \pu{260 g.mol-1} }

Etapa 5. Calcule o número de átomos de enxofre em uma molécula de enxofre.

De x=MSXx/MSx = M_{\ce{S_x}}/M_{\ce{S}} x=260 gmol32 gmol=8 x = \dfrac{ \pu{260 g//mol} }{ \pu{32 g//mol} } = 8 A fórmula molecular é SX8\ce{S8}.

A presença de um soluto abaixa o ponto de congelamento de um solvente. O abaixamento do ponto de congelamento pode ser usado para calcular a massa molar do soluto.