A natureza da eletricidade era desconhecida até a segunda metade do século XVIII, quando o cientista italiano Luigi Galvani descobriu que ao tocar os músculos de animais mortos, principalmente sapos, com cilindros com cargas elétricas, eles reagiam. Ele acreditava que a eletricidade provinha dos músculos. No fim daquele século, porém, outro cientista italiano, Alessandro Volta, sugeriu que a eletricidade era gerada devido à condição de os músculos estarem entre dois metais diferentes quando tocados pelos cilindros. Ele provou que a eletricidade provinha dos metais construindo uma torre de discos de diferentes metais alternados, separados por folhas de papel embebidas com uma solução de cloreto de sódio. Esta aparelhagem, a pilha voltaica, foi o primeiro dispositivo de armazenamento de eletricidade, uma bateria simples.
Uma célula eletroquímica é um dispositivo em que uma corrente elétrica — o fluxo de elétrons através de um circuito — é produzida por uma reação química espontânea ou é usada para forçar a ocorrência de uma reação não espontânea. Uma célula galvânica é uma célula eletroquímica em que uma reação química espontânea é usada para gerar uma corrente elétrica. Tecnicamente, uma bateria é uma coleção de células galvânicas unidas em série para que a voltagem produzida — sua capacidade de forçar uma corrente elétrica através de um circuito — seja a soma das voltagens de cada célula.
Para ver como uma reação espontânea pode ser usada para gerar uma corrente elétrica, uma camada do metal cobre começa a se depositar entre o metal zinco e os íons cobre(II): Quando um pedaço do metal zinco é colocado em uma solução de sulfato de cobre(II) em água, uma camada do metal começa a se depositar sobre a superfície do zinco. Se a reação pudesse ser observada em nível atômico, você veria que elétrons se transferem dos átomos de para os íons que estão próximos na solução. Esses elétrons reduzem os íons a átomos de , que permanecem na superfície do zinco ou formam um depósito sólido finamente dividido no bécher. O pedaço de zinco desaparece lentamente, e a solução perde sua cor azul à medida que seus átomos doam elétrons e formam íons incolores que passam para a solução, substituindo os íons azuis.
Suponha, porém, que os reagentes estejam separados, mas que exista um caminho que permite que os elétrons passem do metal zinco para os íons cobre(II). Os elétrons podem, agora, passar da espécie que se oxida para a espécie que se reduz. Uma célula galvânica faz uso desse efeito. Ela é formada por dois eletrodos, ou condutores metálicos, que fazem o contato elétrico (mas estão separados por) um eletrólito, um meio condutor iônico dentro da célula. Em um condutor iônico, uma corrente elétrica é carregada pelo movimento dos íons. O eletrólito em geral é uma solução de um composto iônico em água. A oxidação ocorre em um eletrodo, onde a espécie que está sendo oxidada cede elétrons para o condutor metálico que então fluem para o circuito externo. A redução acontece no outro eletrodo, onde a espécie que está sendo reduzida coleta elétrons do condutor metálico ligado ao circuito externo (Figura 1). A reação química global pode ser vista como um fluxo de elétrons que são empurrados para um eletrodo devido ao processo de oxidação e são puxados do outro eletrodo devido à redução. Esse processo provoca um fluxo de elétrons no circuito externo que une os dois eletrodos, e essa corrente pode ser usada para realizar trabalho elétrico.
O eletrodo em que a oxidação ocorre é chamado de anodo. O eletrodo em que ocorre a redução é chamado de catodo. Os elétrons são liberados pela semi-reação de oxidação no anodo, passam pelo circuito externo e reentram na célula no catodo, no qual eles são usados na semi-reação de redução. Uma célula galvânica comercial tem o catodo marcado com o sinal e o anodo com o sinal .
Pense no sinal como indicando o eletrodo em que os elétrons entram e se adicionam à célula e o sinal como representando o eletrodo em que os elétrons saem da célula.
A célula de Daniell é um exemplo antigo de célula galvânica que usa a oxidação do cobre pelos íons zinco, como na reação entre cobre e zinco. Ela foi inventada pelo químico britânico John Daniell em 1836, quando o avanço da telegrafia criou a necessidade urgente de uma fonte de corrente elétrica barata, confiável e estável. Daniell montou o arranjo mostrado na Figura 1, no qual os dois reagentes estão separados: o metal zinco fica imerso em uma solução de sulfato de zinco e o eletrodo de cobre, em uma solução de sulfato de cobre. Para que os elétrons passem dos átomos de para os íons e permitam que a reação espontânea ocorra, eles têm de passar por um fio que serve de circuito externo e depois pelo eletrodo de até a solução de cobre(II). Os íons convertem-se em átomos de no catodo por meio da semi-reação de redução Ao mesmo tempo, os átomos de se convertem em íons no anodo a partir da semi-reação de oxidação À medida que os íons se reduzem, a solução no catodo adquire carga negativa, e a solução no anodo começa a desenvolver carga positiva quando os íons entram na solução. Para evitar esse processo, que faria cessar rapidamente o fluxo de elétrons, as duas soluções ficam em contato por meio de uma parede porosa: os íons fornecidos pelo eletrólito movimentam-se entre os dois compartimentos e completam o circuito elétrico.
Os eletrodos da célula de Daniell são feitos com os metais envolvidos na reação. Entretanto, nem todas as reações de eletrodo envolvem diretamente um sólido condutor. Por exemplo, para usar a redução em um eletrodo, é necessário usar um condutor metálico quimicamente inerte, como um metal não reativo ou a grafita, para fornecer ou remover os elétrons do compartimento do eletrodo. A platina é costumeiramente usada para o eletrodo, e o gás hidrogênio é borbulhado sobre o metal imerso em uma solução que contém íons hidrogênio. Este arranjo é conhecido como eletrodo de hidrogênio. O compartimento com o metal condutor e a solução de eletrólito é comumente chamado de o eletrodo ou, mais formalmente, de semi-célula.
Em uma célula galvânica, uma reação química espontânea retira elétrons da célula através do catodo, o sítio de redução, e os libera no anodo, o sítio de oxidação.
Uma reação com muito poder de empurrar e puxar elétrons gera um alto potencial de célula (coloquialmente, uma voltagem alta). Uma reação com pequeno poder de empurrar e puxar elétrons só gera um pequeno potencial (uma voltagem baixa). Uma bateria descarregada é uma célula em que a reação atingiu o equilíbrio, perdeu o poder de mover elétrons e tem potencial igual a zero.
A unidade SI de carga elétrica é o coulomb. Um coulomb é a carga liberada por uma corrente de um ampère, , fluindo durante um segundo: . A unidade SI de potencial é o volt, . Um volt é definido de forma que uma carga igual a um coulomb, , atravessando uma diferença de potencial igual a um volt, , libere um joule, , de energia: .
Para expressar a capacidade de uma célula de gerar uma diferença de potencial quantitativamente, é interessante lembrar de dois fatores. O primeiro é que o potencial elétrico é análogo ao potencial gravitacional. O trabalho máximo que um peso que cai pode realizar é igual a sua massa vezes a diferença de potencial gravitacional. Do mesmo modo, o trabalho máximo que um elétron pode realizar é igual a sua carga vezes a diferença de potencial elétrico que ele experimenta. Portanto, o trabalho que pode ser realizado por um elétron enquanto migra entre eletrodos permite estimar a diferença de potencial entre eles. O segundo é que o trabalho elétrico é um tipo de trabalho de não expansão, porque ele envolve a movimentação de elétrons sem variação do volume do sistema. Como vimos no Tópico 2C, em temperatura e pressão constantes, o trabalho máximo de não expansão que um sistema pode executar é igual à energia livre de Gibbs. Logo, isso permitiria relacionar a diferença de potencial causada por uma reação (uma propriedade elétrica) à energia livre de Gibbs (uma propriedade termodinâmica).
A variação de energia livre de Gibbs é o trabalho máximo de não expansão que uma reação pode realizar em pressão e temperatura constantes (Tópico 2C): O trabalho realizado quando uma quantidade de elétrons (em mols) atravessa uma diferença de potencial é sua carga total vezes a diferença de potencial. A carga de um elétron é . A carga por mol de elétrons é , em que é a constante de Avogadro. Logo, a carga total é e o trabalho realizado é O potencial da célula, , é a diferença de potencial associada. Essa expressão normalmente é escrita em termos da constante de Faraday, , a magnitude da carga por mol de elétrons (o produto da carga elementar e pela constante de Avogadro ): Logo em que é a quantidade de elétrons sendo transferidos. Desde que a célula opere reversivelmente (como explicado no Tópico 2C, em um processo reversível a força que age sobre o sistema é balanceada por uma força igual e contrária), ela produz uma diferença de potencial e a quantidade de trabalho máximo, . Neste caso, portanto,
O potencial da célula, , é a diferença de potencial associada com uma célula galvânica em operação reversível. Em notação molar, Uma célula opera no modo reversível quando seu poder de empurrar elétrons de uma célula é balanceado por uma fonte externa de potencial. Na prática, isso significa usar um voltímetro com resistência suficientemente alta para que a diferença de potencial seja medida sem retirar corrente. Uma célula de trabalho, isto é, uma célula que produz, de fato, corrente, como a bateria de um gravador de discos compactos, produzirá um potencial menor do que o previsto por essa expressão.
A Equação 1 relaciona as informações termodinâmicas às informações eletroquímicas desenvolvidas neste tópico. As unidades de são joules (ou quilojoules) por mol, com um valor que depende de também da quantidade dos elétrons transferidos na reação. Assim, na reação .
A diferença de potencial produzida em uma célula galvânica reversível, , é um critério experimental de espontaneidade da reação que ocorre em seu interior. Se a diferença de potencial for positiva, a energia livre de Gibbs na composição da célula naquele momento (como dada pela concentração de reagentes e produtos no eletrólito) será negativa, e a reação da célula terá uma tendência espontânea de formar produtos. Se a diferença de potencial for negativa, a reação inversa da célula será espontânea, e a reação da célula terá a tendência espontânea de formar reagentes.
A diferença de potencial gerada célula nicad (níquel-cádmio), onde ocorre a reação é para uma determinada composição.
Calcule a energia de Gibbs de reação nessas condições.
Na reação que ocorre na célula, dois elétrons são transferidos do cádmio para o níquel. Assim, .
De
O potencial de célula padrão, , é definido pela expressão em que , a energia livre de Gibbs da reação (Tópico 2C), é definida como a diferença entre as energias molares de Gibbs dos produtos e dos reagentes em seus estados padrão. Conforme explicado naquele tópico, as condições padrão são:
Mais precisamente, todos os solutos devem ter atividade igual a um, não concentração molar igual a um. As atividades diferem apreciavelmente das molaridades em soluções de eletrólitos porque os íons interagem a distâncias maiores. Entretanto, essa complicação não é considerada neste ponto. Em alguns casos, é possível construir uma célula que gera o seu potencial padrão. Uma célula de Daniell na qual a semi-célula do cobre é composta por de e um eletrodo de cobre puro e a semi-célula de zinco é composta por de e um eletrodo de zinco puro gera o seu potencial padrão. Contudo, na maioria dos casos, a célula não pode ser construída com os reagentes e produtos separados tão claramente e, de modo geral, é melhor considerar como o valor de expresso como diferença de potencial em volts a partir da Equação 2 na forma .
É importante entender a diferença entre e (e, portanto, entre e ). A primeira é a diferença entre as energias livres de Gibbs (adequadamente ponderadas usando-se os coeficientes estequiométricos) dos produtos e dos reagentes em seus estados padrão. A segunda é a diferença (também ponderada do modo correto) entre as energias livres de Gibbs dos produtos e dos reagentes em um estágio intermediário da reação, quando estão cercados de moléculas que refletem a composição da mistura naquele momento. Logo, enquanto tem valor fixo, característico da reação, varia com o avanço dela. De modo análogo, tem valor fixo característico de uma reação, ao passo que varia com seu avanço.
Quando uma equação química de uma reação é multiplicada por um fator, (e ) aumentam de acordo com esse fator, mas (e ) permanecem inalterados. Para entender por que é assim, observe que, quando todos os coeficientes estequiométricos são multiplicados por , o valor de dobra. Entretanto, ao multiplicar todos os coeficientes por , também dobramos o valor de , logo permanece constante. Em outras palavras, embora a energia livre de Gibbs da reação (e seu valor padrão) mude quando a equação química é multiplicada por um fator, (e ) não se altera: Uma consequência prática dessa conclusão é que o potencial de célula é independente do tamanho da célula. Para obter um potencial superior ao previsto pela Equação 1, você precisa construir uma bateria ligando as células em série. O potencial é, então, a soma dos potenciais das células isoladas.
O potencial de célula e a energia livre de Gibbs de reação estão relacionados pela Equação 1 e seus valores padrão pela Equação 2. A magnitude do potencial de célula não depende de como a equação química é escrita.
Os químicos usam uma notação especial para especificar a estrutura dos compartimentos dos eletrodos de células galvânicas. Os dois eletrodos na célula de Daniell, por exemplo, são descritos como e . Cada linha vertical representa uma interface entre as fases, neste caso, entre o metal sólido e os íons em solução na ordem .
Descrevemos simbolicamente a estrutura de uma célula com o auxílio de um diagrama de célula, a partir das convenções da IUPAC, usadas por cientistas de todo o mundo. O diagrama da célula de Daniell, por exemplo, é Na célula de Daniell, as soluções de sulfato de zinco e de sulfato de cobre(II) se encontram dentro da barreira porosa para completar o circuito. Entretanto, quando íons diferentes se misturam, eles podem afetar o potencial da célula. Para impedir a mistura das soluções, os químicos usam uma ponte salina para unir os dois compartimentos de eletrodo e completar o circuito elétrico. Uma ponte salina típica é um gel, colocado em um tubo em U invertido, que contém uma solução salina concentrada em água (Figura 2).
A ponte permite o fluxo de íons e completa o circuito elétrico, mas os íons são escolhidos de forma a não afetar a reação da célula (usa-se frequentemente ). Em um diagrama de célula, a ponte salina é indicada por duas barras verticais (), e o arranjo da Figura 2 é escrito como
Existem sais que você, definitivamente, não usaria em uma ponte salina?
No diagrama da célula, qualquer componente metálico inerte de um eletrodo é escrito como o componente mais externo daquele eletrodo. Por exemplo, um eletrodo de hidrogênio construído com platina é descrito como quando ele está à direita e como quando está à esquerda. Um eletrodo formado por um fio de platina mergulhado em uma solução contendo íons ferro(II) e ferro(III) é descrito como ou . Nesse caso, as espécies oxidada e reduzida estão na mesma fase e usa-se uma vírgula, e não uma linha, para separá-las. Pares de íons em solução são normalmente escritos na ordem .
O potencial de célula é medido com um voltímetro eletrônico. O catodo (o sítio de redução) é determinando identificando-se qual é o terminal positivo da célula. Se o catodo for o eletrodo à direita no diagrama da célula, então, por convenção, o potencial de célula será registrado como positivo, como em, Neste caso, pode-se imaginar que os elétrons tendem a atravessar o circuito da esquerda da célula, como escrita (o anodo), para a direita (o catodo). Contudo, se o catodo for o eletrodo à esquerda no diagrama da célula, então o potencial de célula será registrado como negativo, como em
Em resumo, o sinal do potencial de célula registrado de acordo com o diagrama da célula é igual ao do eletrodo que está à direita no diagrama:
Um determinado diagrama de célula corresponde a uma forma específica da reação da célula correspondente. Somente para escrever a reação da célula que corresponde a um determinado diagrama de célula, o eletrodo que está à direita no diagrama é tomado como sendo o sítio de redução (o catodo) e que o eletrodo que está à esquerda, o sítio de oxidação (o anodo). As duas meias-reações são então escritas como uma redução e uma oxidação, respectivamente. Assim, para uma célula escrita como e em dada composição Como e, portanto, para essa reação, a reação da célula, como escrita, é espontânea quando os eletrólitos têm aquela composição particular. Contudo, se o diagrama da célula for escrito como e a composição é idêntica à anterior, Como e, portanto, , o inverso da reação da célula, como escrita, é espontâneo nessas condições.
Um ponto importante precisa ser esclarecido, embora possa parecer surpreendente: a reação da célula não precisa ser uma reação redox. A única condição necessária é que a reação possa ser escrita como uma combinação de meias-reações de redução que ocorrem nos dois eletrodos. Por exemplo, a reação de célula para é simplesmente a qual corresponde à expansão espontânea do gás (desde que ). A semi-reação de redução em cada eletrodo é A reação de célula pode também ser uma reação de precipitação. Por exemplo, para a célula as reações são e corresponde à precipitação do cloreto de prata.
Descreve‑se um eletrodo representando‑se as interfaces entre as fases por uma linha vertical. Um diagrama de célula mostra o arranjo físico das espécies e interfaces, com a ponte salina sendo indicada por uma linha dupla vertical. O sinal do potencial de célula é igual ao do eletrodo que está à direita no diagrama de célula. O sinal positivo do potencial de célula indica que a reação, como está escrita, é espontânea nas condições dadas.